Em um moderno edifício de escritórios no subúrbio da cidade chinesa de Tianjin, fileiras de censores contemplam telas de computador. Sua missão: apagar qualquer post no Sina Weibo, a versão chinesa do Twitter, que seja considerado ofensivo ou politicamente inaceitável.
Mas as pessoas que cuidam da censura no mais popular dos sites chineses de microblogs não são idosos burocratas do Partido Comunista. Em lugar disso, são jovens recém-formados na universidade. Ambivalentes quanto a apagar posts, eles se queixam ruidosamente da carga de trabalho que enfrentam e de seus baixos salários.
Administrar a internet é um grande desafio para a China. O Partido Comunista, que governa o país, considera a censura essencial para manter seu domínio sobre o poder --de fato, novas medidas divulgadas na segunda-feira ameaçam sentença de prisão para pessoas culpadas de espalhar boatos on-line.
Ao mesmo tempo, as autoridades chinesas desejam oferecer ao povo uma forma de expressar sua irritação, já que outras formas de protesto são restringidas.
Reuters | ||
O logo do site chinês de microblog "Weibo", que tem 500 milhões de usuários registrados e é censurado pelo governo |
A Reuters entrevistou quatro antigos censores na Sina Weibo, todos os quais se demitiram em algum momento deste ano. Nenhum deles permitiu que seu nome fosse citado, devido à natureza delicada do trabalho que realizavam. Pessoas atualmente empregadas como censores se recusaram a falar à Reuters.
"As pessoas muitas vezes se sentem divididas ao começar, mas depois ficam inertes e se limitam a fazer o trabalho", diz um antigo censor, que pediu demissão por acreditar que suas perspectivas de carreira eram medíocres. "Uma coisa que posso dizer é que temos de trabalhar muito e ganhamos muito mal".
A Sina, uma das maiores companhias chinesas de internet e operadora do site de microblogs que conta com 500 milhões de assinantes, é a empregadora dos censores. A companhia não respondeu a repetidos pedidos de comentário.
SEM FUTURO
A Reuters pôde vislumbrar os escritórios de censura do Sina Weibo, em Tianjin, a meia hora de Pequim pelo trem de alta velocidade, em uma recente manhã de fim de semana.
Uma dúzia de funcionários, todos homens, podiam ser vistos através de portas de vidro trancadas, de um corredor acessível ao público; eles estavam acomodados em cubículos apertados, separados por divisórias amarelas, e contemplavam grandes monitores.
Pareciam mais o Pequeno Irmão do que a imagem criada por George Orwell para o onisciente e ameaçador Grande Irmão.
"Nosso trabalho impede que o Weibo seja fechado, e oferece às pessoas uma grande plataforma na qual podem se pronunciar. Não é tão livre quanto idealmente preferiríamos, mas permite que as pessoas desabafem", disse um segundo ex-censor.
Os antigos censores dizem que o serviço de censura funciona 24 horas por dia, e que é executado por um total de 150 homens, todos com diplomas superiores. Eles dizem que mulheres rejeitam esse tipo de trabalho por causa dos turnos noturnos e da constante exposição a material ofensivo.
Os censores do Sina Weibo são pequena parte das dezenas de milhares de censores empregados pela China para controlar conteúdo, nas mídias tradicionais e na internet.
A maioria dos censores do Sina Weibo está na casa dos 20 anos e recebe salário mensal da ordem de ¥ 3 mil (US$ 490), dizem os ex-censores, salário mais ou menos equivalente ao oferecido nos classificados de emprego de Tianjin a marceneiros ou funcionários de imobiliárias. Muitos aceitaram seus postos depois de se formar em universidades locais.
"As pessoas deixam o emprego porque é um trabalho cansativo e sem futuro, para a maioria de nós", diz um terceiro antigo censor.
Os sistemas de computadores da Sina vasculham cada post de microblog antes da publicação. Apenas alguns são classificados como delicados e encaminhados a um censor para leitura; cabe ao censor decidir se eles serão postados ou apagados. Em um período médio de 24 horas, eles processam cerca de três milhões de posts.
Alguns poucos posts contendo termos de "eliminação compulsória", como referências à seita Falun Gong, proscrita, são primeiro bloqueados e depois apagados manualmente. Os censores também precisam atualizar listas de palavras delicadas, acrescentando novas referências e as expressões criativas que os autores de posts utilizam para escapar ao escrutínio das autoridades.
Para a maioria dos posts considerados como delicados, os censores empregam uma tática sutil sob a qual o post continua visível para o autor, mas é bloqueado para os demais leitores, o que faz com que o responsável nem mesmo saiba que o post foi retirado, dizem os antigos censores. Os censores também podem punir usuários ao bloquear temporariamente sua capacidade de fazer comentários, e em casos extremos podem fechar suas contas.
"Vimos um sistema razoavelmente sofisticado, onde o poder humano é amplificado por automação computadorizada, capaz de remover posts delicados em questão de minutos", diz Jedidiah Crandall, da Universidade do Novo México, parte de uma equipe que recentemente pesquisou a velocidade de censura no Weibo.
Se um post delicado passa sem censura e termina por ser espalhado amplamente, as agências do governo podem pressionar a Sina pela remoção do post e ocasionalmente pela punição do censor responsável, com multa ou demissão, dizem os antigos censores.
Em um dia média, cerca de 40 censores trabalham em turnos de 12 horas. Cada trabalhador precisa cuidar de pelo menos três mil posts por hora, dizem os antigos censores.
Os momentos de maior movimento são os aniversários, como o da repressão aos protestos democráticos na praça Tiananmen, em 4 de junho de 1989, e os eventos políticos importantes.
Os censores tiveram de trabalhar em ritmo acelerado no ano passado em função da queda de Bo Xilai, um político que antes disso vinha ascendendo rapidamente e enfrentou julgamento no mês passado sob acusações de corrupção, apropriação indébita e abuso de poder. O veredito pode surgir neste mês.
"Foi realmente desgastante, cerca de 100 pessoas trabalharam sem parar durante 24 horas", disse o primeiro censor, referindo-se ao momento em que Bo foi demitido de seus postos e, posteriormente, expulso do partido.
LIBERDADE E ORDEM
O Partido Comunista mantém controle férreo sobre os jornais e televisão, mas enfrenta problemas para controlar as informações veiculadas em plataformas sociais.
As empresas de internet têm a obrigação de cooperar com o aparelho de propaganda do partido para censurar o conteúdo gerado por usuários na internet.
Lu Wei, diretor do Serviço Estatal de Informações de internet, declarou em discurso esta semana que "liberdade significa ordem", e que "liberdade sem ordem não existe".
A mídia estatal reportou dezenas de detenções nas últimas semanas, com a repressão ordenada pelo novo governo do presidente Xi Jinping à difusão de boatos.
O principal tribunal e a promotoria pública chinesa disseram que pessoas seriam acusadas de difamação caso os boatos inventados por elas e divulgados on-line fosse visitados por mais de cinco mil internautas ou reproduzidos mais de 500 vezes.
Isso pode resultar em três anos de prisão, a mídia estatal reportou na segunda-feira. A China diz ter necessidade genuína de deter a difusão de rumores irresponsáveis.
Quando rumores sobre a morte do ex-presidente Jiang Zemin ganharam difusão viral no Sina Weibo, as aparentemente inofensivas palavras para "sapo" e "rã", provavelmente uma referência aos peculiares óculos de Jiang, eram usadas para identificá-lo, e foram mais tarde proscritas.
Os censores são instruídos quanto ao tipo de comentário que devem vetar.
"Os posts apagados com mais frequência são os políticos, especialmente os que criticam o governo, mas a Sina permite mais espaço para discussões sobre democracia e constitucionalismo, porque existem líderes que desejam manter vivo esse debate", diz o primeiro dos ex-censores.
"Mas não houve qualquer sinal de relaxamento do controle sobre a mídia social desde que Xi Jinping assumiu", ele acrescenta. "Não pelo que sentíamos no trabalho".