• Tec

    Thursday, 25-Apr-2024 04:16:13 -03

    'Fabricação digital' é revolução tão importante quanto PCs, diz brasileiro em Stanford

    BRUNO FÁVERO
    DE SÃO PAULO

    16/12/2013 16h54

    O brasileiro Paulo Blikstein fazia mestrado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) quando o o professor Neil Gershenfeld criou o Fab Lab, uma espécie de oficina aberta para a comunidade e equipada com máquinas de fabricação digital --como impressoras 3D, máquinas de corte a laser, cortadoras de madeiras e vinil controladas por computadores.

    A ideia era estimular a inovação dando a qualquer pessoa a oportunidade de aprender a fabricar "quase qualquer coisa" por meio de projetos feitos em 3D no PC e "impressos" nessas máquinas.

    Formado em engenharia e em cinema pela USP, Blikstein viu nos Fab Labs uma ferramenta de educação. Como professor-assistente em Stanford, criou o FabLab@School, projeto que leva as tais oficinas para jovens nas escolas.

    À Folha, descreveu a fabricação digital como revolucionária e disse que pretende trazer a iniciativa que criou para o Brasil.

    "Com uma ideia na cabeça e uma impressora 3D na mão, você pode efetivamente ter um produto e uma empresa em alguns meses. É a mesma revolução que aconteceu com os computadores, e promete inundar o mercado com produtos e invenções incrivelmente criativas nos próximos anos.", disse.

    *

    Raquel Cunha/Folhapress
    Impressora 3D do Garagem Fab Lab, segunda unidade do projeto no Brasil
    Impressora 3D do Garagem Fab Lab, segunda unidade do projeto no Brasil

    Folha: Por que você criou o FabLab@School?

    Paulo Blikstein: Eu era aluno de mestrado no MIT Media Lab quando o FabLab foi inventado lá, e sempre pensei que seria uma grande ferramenta para a educação.

    O FabLab foi originalmente criado para adultos, em universidades, centros de empreendedorismo, ou centros comunitários. Quando eu vim para Stanford como professor, há 5 anos, meu principal projeto foi justamente levar isso para a escola de forma organizada, não como uma atividade extra-curricular, ou como uma atividade que você faz uma hora por semana, mas como parte da espinha dorsal da aprendizagem de matemática, ciências e engenharia no ensino fundamental e médio.

    O FabLab@School foi o primeiro projeto assim no mundo, e nasceu em 2009 para levar a ideia da fabricação digital para a escola.

    Como a fabricação digital pode ser usada na educação?

    A melhor forma de aprender engenharia, ciências e matemática é a pedagogia de projetos. Entretanto, sem as ferramentas certas, os projetos que os alunos podem fazer são simples demais. Imagine como seria pintar um quadro com um pedaço de pano em vez de um pincel: por melhor que seja a sua ideia, a realização vai passar longe dela.

    A fabricação digital, por permitir que os alunos criem projetos incrivelmente complexos em pouco tempo, e com pouco conhecimento técnico, faz a mesma coisa: amplifica muito o que os alunos podem fazer e aprender.

    Portanto, os conteúdos que você pode aprender são também muito mais complexos e profundos. Além disso, a pedagogia de projetos motiva o aluno muito mais, ele se engaja porque está realizando as próprias ideias, porque está fazendo algo significativo. Esse é um benefício enorme que não pode ser ignorado - um dos maiores problemas na escola é a falta de motivação.

    Mas não quero também simplesmente substituir completamente a escola - o segredo está em como integrar a fabricação digital na escola de forma transformadora mas realista.

    A implementação dos FabLabs deve ser feita em que fase do processo de educação? Desde cedo ou só na graduação, por exemplo?

    Os FabLabs podem começar aos 7 ou 8 anos, com coisas mais simples, e as tarefas pode depois ir ficando mais complexas.

    Um grupo de alunos meus, incluindo um brasileiro, o Alfredo Sandes, criou um sistema para crianças de 7 anos aprenderem programação. Há muito o que se pode fazer com crianças muito novas, e muito mais que se pode fazer depois dos 11 ou 12 anos. A gente consegue, nos nossos laboratórios, fazer com que uma criança de 13 anos crie um dispositivo que há dez anos só um aluno de graduação em mecatrônica poderia fazer.

    Além disso, fabricação digital não é só para quem quer fazer engenharia, é para qualquer aluno interessado em expressar a sua criatividade. Da mesma forma que ensinamos Artes Plásticas ou Educação Física para alunos que nunca vão ser artistas ou atletas, devemos ensinar fabricação digital para todos.

    Esse é o meu projeto com o FabLab@School - nada de "clube do Bolinha," queremos que todos participem, meninos, meninas, alunos de escolas privadas e públicas, alunos com inclinações para exatas e também humanas.

    O Chris Anderson, editor da Wired, chamou a fabricação digital de "a nova revolução industrial". Concorda que é uma coisa tão importante? O que ela "revoluciona"?

    Há 15 anos, com a proliferação das linguagens de programação fáceis de usar e da internet, quebramos o monopólio do software: qualquer desenvolvedor poderia criar um software genial na sua garagem, distribuir pela internet, e atingir milhões de pessoas. Antes, só uma dúzia de empresas poderiam fazer isso.

    Eu acho que a grande revolução agora é que a fabricação digital quebrou o monopólio dos produtos físicos. Hoje você pode criar um produto na garagem e distribuir pelo mundo a um custo muito baixo.

    Isso está tendo um impacto muito grande, porque quando você democratiza e barateia a invenção, você vê aparecer ideias incrivelmente criativas que as grandes corporações nunca teriam. Do mesmo jeito que a startups de software inventam o futuro (e depois são compradas pelas grandes empresas), vamos ver o mesmo acontecer com produtos físicos.

    Um outro benefício é que você pode atender o que se chama de "long tail," ou seja, produtos com um mercado muito pequeno que ninguém quer atender em larga escala. Imagine, por exemplo, um tipo de deficiência física que só 300 pessoas no mundo têm. Nenhuma grande empresa vai investir milhões porque o mercado é muito pequeno, mas alguém em um FabLab pode projetar um dispositivo que ajuda essas pessoas e facilmente criar 300 unidades.

    Eu acho que o lado mais interessante da revolução não é tanto as mudanças econômicas, mas a explosão de criatividade que ela está trazendo.

    O computador como conhecemos hoje deve grande parte de seu desenvolvimento a iniciativas de DIY. Podemos esperar invenções tão importantes assim vindas da fabricação digital?

    Sem dúvida. Hoje há uma infinidade de produtos comerciais de grande sucesso que só foram possíveis por causa da fabricação digital. Quase todos os produtos de hardware nos sites de crowdfunding (Kickstarter, etc.) seriam totalmente impossíveis sem essas ferramentas.

    Dois alunos meus, por exemplo, acabam de criar um protótipo de um kit de eletrônica para escolas, e levantaram US$ 110 mil no Kickstarter em um mês. Os protótipos custaram US$ 5.000, todos feitos com fabricação digital. Há 10 anos, eles teriam custado US$ 50 mil.

    Hoje, com uma ideia na cabeça e uma impressora 3D na mão, você pode efetivamente ter um produto e uma empresa em alguns meses. É a mesma revolução que aconteceu com os computadores, e promete inundar o mercado com produtos e invenções incrivelmente criativas nos próximos anos.

    No Brasil, o chamado "movimento maker" ainda parece incipiente. Por que isso acontece e o que precisa ser feito para mudar? Você pensa em trazer o FabLab@School para cá?

    O meu plano é levar o FabLab@School para o Brasil em 2014/2015, quando terminarmos a fase inicial na Dinamarca e no México, e estamos em contato com uma série de parceiros no Brasil para isso.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024