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    Como Tim Cook foi parar no meio da polêmica sobre privacidade digital

    KATIE BENNER
    NICOLE PERLROTH
    DO "NEW YORK TIMES"

    22/02/2016 11h40

    Mensagens do mundo inteiro começaram a chegar a Tim Cook, presidente-executivo da Apple, não muito depois que surgiram as primeiras revelações de Edward Snowden sobre as operações de vigilância em massa do governo dos Estados Unidos.

    Você sabe o quanto a privacidade é importante para nós?, as mensagens questionavam. Você entende?

    E Cook entende. Ele tem orgulho por a Apple vender produtos físicos –celulares, tablets e laptops– e por não comercializar detalhes íntimos das vidas digitais de seus consumidores.

    9.set.2015/Reuters
    O presidente-executivo da Apple, Tim Cook, apresenta iPad maior, com tela de 12 polegadas, durante evento em São Francisco, EUA
    O presidente-executivo da Apple, Tim Cook

    Essa posição se cristalizou na terça-feira, quando Cook passou horas reunido com advogados e outros colegas na sede da Apple, a fim de determinar como responder a uma liminar da justiça federal norte-americana que determina que a empresa permita que o governo obtenha acesso ao iPhone de um dos atiradores envolvidos nos homicídios em massa de San Bernardin, Califórnia.

    Na noite da terça-feira, Cook saiu a público com uma carta aos clientes portando sua assinatura.

    "Sentimos que é necessário que nos pronunciemos, diante do que vemos como abuso por parte do governo dos Estados Unidos", escreveu Cook, 55. "Tememos, em última análise, que essa demanda solape as liberdades individuais e a liberdade geral que o governo tem por missão proteger".

    O impasse entre Cook e as autoridades judiciais norte-americanas é indicativo de sua evolução de um operador de bastidores na Apple à posição de um dos executivos mais francos no mundo das grandes empresas.

    Ao longo dessa trajetória, ele deu a uma empresa antes conhecida pelo sigilo, no Vale do Silício, posição central em questões sociais e judiciais complicadas. Embora o predecessor de Cook, Steve Jobs, cofundador da Apple, seja visto como um ícone dos negócios, ele jamais tomou posições tão agressivas quanto as de Cook quanto a esse tipo de assunto.

    Um confronto com o governo dos Estados Unidos é um risco para a Apple e pode atrair uma torrente de críticas públicas contra a maior companhia do mundo por valor de mercado, em um momento no qual seu crescimento se desacelerou significativamente.

    Mas pessoas que conhecem Cook dizem que ele não acreditava ter outra escolha que não expressar firmemente sua opinião. Cook, que se tornou presidente-executivo da Apple em 2011, há muito diz que empresas e seus líderes precisam se ver como membros importantes da sociedade civil.

    Em setembro, ele enfatizou que essa responsabilidade "cresceu acentuadamente nas duas últimas décadas, quando o governo vem encontrando mais dificuldade para promover avanços".

    Cook "diz aquilo em que acredita, especialmente em situações difíceis", diz Don Logan, antigo presidente do conselho da Time Warner Cable que fez amizade com Cook desde que este assumiu o comando da Apple. Os dois estudaram na mesma instituição, a Universidade Auburn.

    Sobre a oposição de Cook à liminar, Logan disse que "Tim no momento está lidando com uma situação muito difícil e sabe que a decisão que tomou tem muitas ramificações, boas e ruins. Mas ele quer fazer a coisa certa".

    A Apple recusou um pedido de entrevista para Cook. A empresa está se preparando para apresentar uma petição de contestação à liminar judicial.

    As ideias de Cook sobre deveres cívicos foram desenvolvidas em parte durante sua infância na região rural do Estado do Alabama. Em discurso nas Nações Unidas, em 2013, ele recordou como membros da Ku Klux Klan certa vez queimaram uma cruz no jardim de uma família negra, e que ele gritou com eles ordenando que parassem com aquilo.

    "Essa imagem ficou gravada permanentemente em minha memória, e mudou minha vida para sempre", ele disse.

    Na Apple, para a qual ele começou a trabalhar como executivo de primeiro escalão em 1998, Cook foi uma figura discreta por boa parte do período em que trabalhou sob as ordens de Jobs, um líder que gostava de comandar espetáculos e prezava muito o sigilo.

    Depois que Jobs renunciou ao posto devido a problemas de saúde, Cook começou a abrir mais a Apple, publicando um relatório anual sobre os fornecedores da companhia e as condições de trabalho dos mais de um milhão de operários envolvidos na fabricação de seus produtos.

    Em 2014, Cook revelou ser gay, atitude vista amplamente como expressão de apoio à luta pelos direitos dos homossexuais.No ano passado, ele escreveu um editorial lastimando as leis de liberdade religiosa propostas em mais de duas dúzias de Estados norte-americano, que permitiriam que as pessoas descumpram leis de combate à discriminação caso estas conflitem com suas crenças religiosas.

    Sua franqueza causou críticas, e alguns investidores questionam de que maneira as iniciativas da empresa fora do campo dos negócios –entre as quais alguns projetos ambientais da Apple– contribuiriam para os seus resultados financeiros. Cook respondeu durante uma assembleia geral de acionistas que é importante que a Apple faça coisas "porque elas são justas e boas".

    Depois do ataque em San Bernardino, em dezembro, a Apple colaborou com o Serviço Federal de Investigações (FBI) norte-americano para recolher dados armazenados em nuvem por um iPhone que um dos atacantes usava a trabalho, de acordo com documentos judiciais.

    Quando os investigadores solicitaram também informações não especificadas armazenadas no aparelho e que não haviam sido salvas em nuvem, um juiz esta semana concedeu às autoridades uma liminar que determina que a Apple deve criar uma ferramenta especial para ajudar os investigadores a decifrar mais facilmente a senha de acesso e obter os dados armazenados no aparelho.

    A Apple solicitou que o FBI guardasse segredo sobre sua solicitação da ferramenta requerida, mas o governo a revelou publicamente, o que levou Cook a entrar em modo de crise para preparar a resposta, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto, que falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados.

    O resultado foi a carta assinada por Cook na terça-feira, na qual ele argumenta que uma companhia se ver forçada a criar para o governo ferramentas que podem ameaçar a segurança de seus aparelhos representa um "precedente perigoso".

    "Comprometer a segurança de nossas informações pessoais pode colocar em risco a nossa segurança pessoal", ele escreveu. "É por isso que os dados cifrados se tornaram tão importantes para todos nós".

    Longe de recuar diante da perspectiva de uma disputa, Cook disse a colegas que planeja acelerar os planos para cifrar todos os dados armazenados na miríade de dispositivos, serviços e sistemas de nuvem da Apple, nos quais a vasta maioria dos dados continua a não ser cifrada.

    "Se você confere qualquer valor às liberdades civis, não fará o que as autoridades estão solicitando", disse Cook.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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