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    Pasquale Cipro Neto

    'Foi pego (ê/é) sem documento'

    13/11/2014 03h00

    Um leitor da região de Ribeirão Preto-SP me pergunta sobre a pronúncia de palavras como "Roraima" e "pego" (não como primeira pessoa do singular do presente do indicativo, mas como particípio). Diz ele que tem ouvido muitos repórteres de TV dizendo "pégo". Para exemplificar o que afirma, o leitor diz que ouviu um repórter dizer isto: "Aqui na Inglaterra, se o condutor do veículo for 'pégo' dirigindo alcoolizado...".

    Certa vez, eu estava na sala de imprensa de um local em que se realizava um grande evento. Um cidadão me viu e, sem ao menos me cumprimentar, foi direto ao ponto: "Professor, o certo é 'bánana' ou 'bânana'?". É dura a vida, caro leitor.

    E então, prezados amigos? Quem tem razão? Os paulistas, por exemplo, que dizem "bánana" e "Fulano foi pêgo sem documento", ou os cariocas e os baianos, que dizem "bânana" e "Foi pégo sem documento" (como fez Caetano Veloso na gravação de "Meia Lua Inteira")?

    Imaginar que haja um modo único de pronunciar as palavras é o mesmo que imaginar que todos devam gostar das mesmas frutas, das mesmas comidas, das mesmas roupas etc. Não é preciso nem recorrer ao velho chavão que diz que o Brasil é um país continental etc. Menos de 100 quilômetros bastam para ver que, de São Paulo para Sorocaba, por exemplo, a pronúncia muda.

    Certa vez uma jornalista (carioca) me perguntou como ela deveria pronunciar a forma participial "pego". Eu lhe disse que, se ela apresentasse um jornal local de São Paulo, talvez fosse melhor dizer "pêgo" e, se apresentasse um jornal local do Rio de Janeiro, talvez fosse melhor dizer "pégo". "E se eu apresentar um jornal para o Brasil inteiro?", perguntou-me ela. "Aí você pronuncia de acordo com o que se faz na sua região de origem", disse-lhe eu.

    Pois é aí que está o xis da questão. Parece que os habitantes de Roraima dizem "Roráima", o que, para muita gente, basta para que todos os brasileiros se sintam obrigados a pronunciar "Roráima". Bobagem, pura bobagem! Se existisse essa "regra", os pobres apresentadores de telejornais deveriam pronunciar "Porto Alegre" como o fazem os porto-alegrenses, "Recife" como o fazem os recifenses, "Belo Horizonte" como o fazem os belo-horizontinos, "Curitiba" como o fazem os curitibanos e assim por diante.

    Se de fato os roraimenses dizem "Roráima", ótimo! Nenhum problema. Repito: nenhum problema. Eu vou continuar dizendo "Rorâima", como sempre fiz. Nenhum problema. Repito: nenhum problema. O que temos aí é uma questão de variação regional de pronúncia, o que existe desde sempre, desde que o homem existe, aqui e alhures.

    Há casos em que a variação de pronúncia se dá por outros fatores, como o da relação "fala popular/fala culta", "tradição/modernidade" etc. Um belo exemplo é a pronúncia do adjetivo "coeso". Antigamente, todos os dicionários indicavam "coéso" como a única pronúncia aceitável no padrão culto, embora no uso efetivo da língua falada, mesmo em situações formais, já houvesse esmagadora vitória da pronúncia "coêso". Os dicionários de hoje indicam as duas pronúncias.

    Fato semelhante se dá com "obeso". As edições antigas dos dicionários indicavam "obéso" como pronúncia culta, mas as de hoje indicam "obêso" e "obéso". Ufa! Nada como render-se à realidade. É isso.

    inculta@uol.com.br

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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