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    Crime organizado e cartéis miram mercado de comida falsificada

    JAMIE DOWARD
    DO "OBSERVER"

    14/05/2014 02h01

    O laboratório Campden BRI, na região rural de Cotswolds (Inglaterra), empreende uma parte discreta da guerra contra o crime organizado.

    Ele foi contratado pelo governo para executar testes de pureza do azeite, sujeito, desde março, a novas regras da União Europeia para garantir sua autenticidade.

    Imaginechina/Latinstock/Corbis
    Policiais do escritório de administração de indústria e comércio da China confiscam garrafas de conhaque francês falsificado em boate de Pequim
    Policiais do escritório de administração de indústria e comércio da China confiscam garrafas de conhaque francês falsificado em boate de Pequim

    A 'Ndrangheta, mais temida organização criminosa italiana, é uma das quadrilhas que há décadas vendem óleo vegetal e azeite de qualidade inferior como se fossem do tipo extravirgem, mais nobre.

    Segundo o comitê de segurança alimentar do Parlamento Europeu, o azeite é o alimento que corre maior risco de fraude. "É uma commodity valiosa", diz Julian South, diretor do Campden BRI.

    A fraude é altamente lucrativa: um tipo produzido com resíduos de azeitonas e extraído com produtos químicos custa £ 3,23 por litro; o extravirgem, £ 15.

    Outros produtos são igualmente vulneráveis. As fraudes incluem diluição de mel com xarope de açúcar, venda de metanol como vodca, mistura de arroz inferior à variedade basmati e troca de peixes como o bacalhau por variedades mais baratas. É algo mais fácil (e menos arriscado) do que misturar cocaína a talco para ganhar volume.

    "Os riscos para os criminosos que operam nesse ramo são baixos, porque eles não enfrentam com frequência investigadores treinados", diz Gary Copson, assessor do Elliot, comitê do governo britânico que analisa a integridade da cadeia alimentar.

    O relatório do comitê, a ser publicado em junho, ajudará a iluminar a penetração do crime organizado nas redes de distribuição de comida.

    Ela veio à tona durante o escândalo, em 2013, da venda de carne de cavalo, e foi confirmada em fevereiro por uma operação da Interpol.

    A campanha prendeu cem pessoas em 33 países e confiscou 430 mil litros de bebidas, 131 mil litros de azeite e vinagre, 80 mil biscoitos e barras de chocolate, 20 toneladas de especiarias, 186 toneladas de cereais, 45 toneladas de laticínios e 42 litros de mel.

    Os maiores volumes foram de peixes e frutos do mar –484 toneladas de atum.

    "A maioria das pessoas se surpreenderia com o volume de produtos de uso diário falsificados. Estamos diante de um problema sério e mundial", disse Michael Ellis, diretor da divisão de tráfico e falsificação de bens da Interpol.

    E a falsificação é só uma das armas. No México, um cartel assumiu plantações na região de Tierra Caliente e agora controla grande parte do limão exportado aos Estados Unidos –que triplicou de preço.

    A atividade de criminosos nessa cadeia já se provou fatal. Mais de 40 pessoas morreram por vodca e rum contaminados com metanol na República Tcheca (em 2012).

    E o uso da melamine, agente químico industrial, no leite em pó chinês, em 2008, segundo especialistas, prova que os criminosos estão se tornando mais sofisticados.

    Não há dados concretos sobre a parcela das fraudes alimentares que se deve ao crime organizado. Mas mesmo as perpetradas por operadores de pequena escala podem ter grandes repercussões.

    "O uso de um corante vermelho se tornou popular depois de pequenos produtores de chilli na Itália perceberem que, quanto mais vermelho o pó, mais alto é seu preço", diz Jenny Morris, diretora do Chartered Institute of Environmental Health, organização de saúde ambiental.

    Segundo a Food Standards Agency, que fiscaliza a produção e comércio de alimentos no Reino Unido, as denúncias de supostas fraudes alimentares sobem a cada ano: em 2007, quando a agência criou seu banco de dados, 49 denúncias foram apresentadas. Em 2013, foram 1.538.

    O comitê Elliot deve recomendar que o setor de comida "pense como criminoso", para deter os crimes.

    Hilary Ross, advogada com 22 anos de experiência em fraudes com alimentos, concorda que é preciso pensar de modo inovador. "Aumento de preços, instabilidade econômica, escassez... Quando isso acontece, os preços da comida tendem a mudar, e a probabilidade de fraude cresce".

    O segredo, para ela, é examinar eventos que os criminosos buscariam explorar. "Precisamos de vigilância por organizações internacionais para que, por exemplo, saibamos quando vai haver uma safra baixa. É nessas horas que a criminalidade cresce".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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