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    Governo discute aumentar o percentual de cacau no chocolate

    ANA PAULA BONI
    ENVIADA ESPECIAL A ILHÉUS (BA)

    20/08/2014 02h00

    Se queremos promover a indústria brasileira, o produto ao menos tem de ser de qualidade, vaticina o francês radicado no Brasil Fabrice Lenud, na degustação às cegas promovida pelo "Comida" em sua confeitaria, Douce France, ao lado de Cíntia Lima, da chocolateria Chocolat Des Arts, e Rafael Barros, da doceria Opera Ganache.

    Foram provadas 13 barras de seis marcas nacionais, com diferentes percentuais de cacau: Harald, Amma, Mendoá, Babette, Sagarana e Chor.

    Confira as notas de cada chocolate na degustação clicando aqui.

    Ana Paula Boni/Folhapress
    Funcionários abrem o cacau na fazenda de João Tavares, na Bahia; abaixo, cochos de fermentação
    Funcionários abrem o cacau na fazenda de João Tavares, na Bahia

    A conclusão dos participantes é que os chocolates finos brasileiros têm potencial para disputar o mercado mundial. Produtos da belga Barry-Callebaut e da francesa Valrhona com 100% cacau brasileiro, diz Fabrice, mostram que a nossa matéria-prima é boa. "Mas eles têm expertise industrial. Nos falta capacidade de refinamento, e também vai levar um tempo para mudar o paladar brasileiro. Mas é um mercado promissor e há aqui iniciativas corajosas", diz ele.

    A principal característica que permeia chocolates finos como esses é a concentração de cacau, em geral acima de 40% –maior que os 25% exigidos pela lei brasileira.

    Em países como a França, o percentual exigido é 35% –e é a este número que querem chegar produtores brasileiros, em projeto discutido na Câmara Setorial do Cacau, do Ministério da Agricultura.

    "O maior objetivo é melhorar o produto brasileiro. O chocolate que é produzido em larga escala ainda deixa muito a desejar, tem menos cacau que os 25% exigidos", diz o cacauicultor Guilherme Moura, presidente da Câmara Setorial do Cacau. Marcas como a Nestlé, porém, não revelam quanto usam de cacau. "Queremos deixar de ser só grande produtor de matéria-prima para ser também grande produtor de chocolate."

    Hoje, o Brasil é o sexto maior produtor de cacau, com 4,9%, ficando atrás de Costa do Marfim, Gana, Indonésia, Nigéria e Camarões.

    Ana Paula Boni/Folhapress
    Cochos de fermentação
    Cochos de fermentação

    A venda total de chocolate movimenta, no país, R$ 9 bilhões por ano, segundo a Abicab (associação brasileira da indústria de chocolate e cacau). Desses R$ 9 bilhões, 6% se referem ao chocolate fino.

    Esse chocolate de alta qualidade é alvo de feiras como a Febrachoco, que ocorre em Gramado (RS) em setembro.

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    BAIXO TEOR DE CACAU LEVA INDÚSTRIA A INCLUIR MAIS AÇÚCAR E GORDURA

    Segundo o cacauicultor José Mendes Filho, integrante da Câmara Setorial do Cacau, a discussão de aumentar o grau de concentração de cacau nos chocolates sofre pressão de grandes marcas.

    "Sempre houve lobby da indústria para manter o chocolate com teor baixo de cacau, porque ele é caro. Gordura hidrogenada é barata."

    O baixo teor leva fabricantes a "preencherem" o produto com açúcar e leite, por exemplo, que dão a doçura a que o paladar brasileiro está acostumado. "Educar o paladar do consumidor é o nosso maior desafio", diz Cíntia Lima, da Chocolat des Arts.

    A indústria é alvo de críticas de quem aposta num paladar gourmet, com menos açúcar. Para Marco Lessa, criador da marca Chor e fundador do Festival Internacional do Chocolate e Cacau da Bahia, cuja sexta edição foi realizada em julho em Ilhéus (BA), esse chocolate "de supermercado" não pode ser considerado chocolate. "Eles não têm o percentual mínimo de cacau exigido por lei, que é 25%. Isso deveria ser chamado de achocolatado."

    Produtos de marcas como Lacta, Nestlé e Garoto –que dominam as prateleiras do país– não são considerados chocolates finos devido, primeiro, ao baixo teor de cacau.

    Um produto meio-amargo como o Amaro, da Lacta, que tem 43% de cacau, segundo a empresa, ainda assim não entra na lista, diz Fabrice Lenud. "Não é só o cacau que conta. Não adianta ter 70% cacau e o resto ser ruim. Tudo –manteiga, torrefação– tem de ser de qualidade."

    Por aqui, o mercado de chocolates finos 100% nacionais está engatinhando.

    Hoje, só 2% do faturamento da Harald (quarta maior empresa brasileira na produção de chocolate, atrás de Lacta, Nestlé e Garoto) vem de chocolates finos 100% nacionais, diz o fundador da marca, Ernesto Neugebauer.

    "Estamos ganhando o cliente pela boca, abrindo o chocolate e dando para comer. Senão, em termos de produto fino, ele só quer saber de chocolate belga."

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    PASSO A PASSO CHOCOLATE FINO

    1. FERMENTAÇÃO
    Após ser retirado do cacaueiro, o fruto é aberto e suas amêndoas com polpa vão para os cochos, onde passam por três fermentações em 7 dias: a alcoólica, a lática e a acética

    2. SECAGEM
    Depois da fermentação, as amêndoas secam no chão de uma espécie de estufa, com ventilação e teto que suaviza a luz solar, no caso da fazenda de João Tavares, na Bahia. Dali, são ensacadas e numeradas

    3. TORREFAÇÃO
    Os lotes vão para a fábrica, onde são torrados. A torra é feita de acordo com o tipo de chocolate que se quer obter

    4. MOAGEM
    Depois, as amêndoas são moídas, dando origem ao líquor. Prensado, ele vira cacau em pó e manteiga de cacau

    5. FINALIZAÇÃO
    Para fazer chocolate, mistura-se cacau em pó com manteiga de cacau e ingredientes como leite

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