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    Produtores enfrentam dificuldades para cultivar ingredientes como milho

    MAGÊ FLORES
    DE SÃO PAULO

    03/09/2014 01h30

    Na fazenda Ituaú, em Salto (a 101 km de São Paulo), o produtor Cyro Abumussi já plantou mais de 300 tipos de chilli. "Plantávamos variedades que deveriam ser picantes e ficavam doces. Houve anos em que plantamos 25 variedades de jalapeño para escolher duas. Eram 120 dias de expectativa e uma decepção."

    Karime Xavier/Folhapress
    Chillis culiacan maduros e desidratando na fazenda Ituaú (SP)
    Chillis culiacan maduros e desidratando na fazenda Ituaú (SP)

    A mexicana Lourdes Hernández conheceu a produção de Cyro em 2002 –sete anos depois de ela ter início– e auxiliou o produtor a selecionar os chillis mais saborosos. "Ela dizia que, para ter sabor e picância, a pimenta não poderia ser bem tratada."

    Hoje, nas muitas estufas de Ituaú, visitadas pelo "Comida" durante o seco e ensolarado inverno de Salto, os frondosos pés escondem pimentas e pimentões de diferentes cores (vermelhos, laranjas, amarelos e verde-escuros) e aspectos (há os finos, os robustos, os compridos...).

    "Estamos testando desidratar o chilli no pé", conta Cyro, que também fornece para Hugo Delgado (Obá e La Sabrosa), Mara Salles (Tordesilhas) e Neka Mena Barreto (bufê Neka Gastronomias).

    A pimenta seca, como os andinos a estocam, é um dos ingredientes que ainda faltam para cozinheiros em São Paulo. "Por mais que não faça sentido quando se tem uma geladeira, isso muda o sabor", diz Checho Gonzáles.

    PEQUENOS E GRANDES

    Até para chefs de redes internacionais, como Fabio Barbosa, do La Mar, a falta de ingredientes é uma questão.

    No La Mar, franquia de um dos restaurantes do peruano Gastón Acurio, Barbosa pode ter os mesmos fornecedores da rede. "A regra é que a comida tenha o sabor de Lima. Ainda importamos a pasta de pimenta, por exemplo, porque a produção aqui não é suficiente, mas muita coisa mudou."

    Divulgação
    Ceviche do La Mar que leva ají amarillo e milho cancha
    Ceviche do La Mar que leva ají amarillo e milho cancha

    Para ele, foi importante conhecer o produtor Ubaldo Angelini, que além de batatas também produz em Piedade (SP) as pimentas ají amarillo, ají panca e ají rocoto –os milhos ainda não deram certo.

    "Tem anos em que consigo produzir milho [o morado e o choclo], outros não. Eles crescem muito e rapidamente e não se sustentam. O pé apodrece antes de formar grãos", conta ele, segundo quem essa relação com cozinheiros é um jogo de "paciência e muito comprometimento entre as partes".

    O restaurateur Hugo Delgado vê essa relação com bons olhos. Foi ela, diz, que também tornou viável encontrar em São Paulo itens de boa qualidade de outras regiões.

    "Se demorou para termos um bom tucupi e um bom tucunaré aqui, como eu poderia me queixar da falta de chillis?", diz.

    ENTENDA A DIFERENÇA

    Pimentas, chillis e ajís pertencem ao gênero da botânica Capsicum; esses nomes variam de acordo com o país de origem. Por exemplo, a palavra ají é comumente usada no Peru.

    *

    ALÉM DE ITENS IN NATURA, TORTILLAS SÃO ALVO DE CHEFS

    A pernambucana Jerusa Silva é uma das responsáveis pela maior oferta de produtos que ajudaram a fortalecer a cozinha latino-americana. Há 12 anos, ela aprendeu a fazer tortillas com uma mexicana.

    Deixou um anúncio no consulado do México e começou a vender, sob encomenda, as massas de milho e trigo usadas em tacos.

    Rogerio Voltan/Divulgação
    Tacos de frango com salsa de chipotle, do Maíz
    Tacos de frango com salsa de chipotle, do Maíz

    Uma de suas clientes foi a mexicana Lourdes Hernández, que ajudou a aperfeiçoar a receita. Lourdes usava as tortillas nos jantares em sua casa.

    Hoje, Jerusa faz cerca de 2.000 tortillas por dia e fornece para restaurantes de São Paulo como La Sabrosa, Obá e Maíz. "Há dois, três anos a coisa decolou."

    "Para a cozinha mexicana, uma boa tortilla é algo básico. Era um desafio ter uma boa por aqui, e Jerusa faz muito bem", diz Hugo Delgado, do Obá.

    *

    SEM PRODUTO, COZINHEIRO ADAPTA RECEITA

    O ají amarillo chega caro para Suzy Delgado, do Tradiciones Peruanas, em São Paulo. "Custa R$ 40 o quilo e não tem no supermercado. É trazido por bolivianos, que dizem pagar taxas altas."

    Diante dos custos altos, a cozinheira fez adaptações nas receitas. "Como não encontramos a batata-doce que queremos, usamos suco de laranja e especiarias para adaptar' o sabor."

    Esse tipo de "releitura" é o que fazia a mãe de Checho Gonzáles quando chegou ao Brasil, na década de 1970.

    "Ela fazia pratos com ingredientes brasileiros, criando uma cozinha de imigrante. É o que faço. Sou o resultado de duas culturas." Um exemplo do que o chef faz é a substituição de ají por pimenta-calabresa e páprica.

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