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    'O alimento é a maior rede social do mundo', diz chef Alex Atala

    LUIZA FECAROTTA
    EDITORA DE "COMIDA" E "TURISMO"

    19/12/2014 02h00

    Alex Atala quer que o Estado reconheça a gastronomia como cultura. Para tal, lançou uma campanha, via seu Instituto ATÁ. A intenção é reunir 1 milhão de assinaturas para pressionar a aprovação do projeto de lei 6.562/13 no Congresso.

    O texto redefine as regras para a captação de recursos via Lei Rouanet, permitindo que pesquisas e publicações ligadas à gastronomia obtenham incentivos fiscais.

    Fabio Braga/Folhapress
    O chef e dono do Restaurante DOM, Alex Atala
    O chef e dono do Restaurante DOM, Alex Atala

    Em cerca de dez dias, a campanha mobilizou 2,5 milhões de pessoas nas redes sociais e criou polêmica dentro e fora do setor, pois a lei, dizem fontes ouvidas pela Folha, já contempla projetos culturais ligados à área.

    A ação, a polêmica e os próximos passos para a gastronomia brasileira foram temas explorados por Alex Atala em conversa com a Folha, no D.O.M., em São Paulo.

    Folha - Gastronomia é cultura. Isso não é óbvio ululante?

    Alex Atala- Hoje, oficialmente, a gastronomia não é reconhecida como cultura. Por mais óbvio que isso pareça. E, como instituto, o ATÁ acredita que a maior rede social do mundo é o alimento e a reestruturação de suas cadeias são transformadoras.

    Maior rede social?
    A comida conecta 7 bilhões de habitantes no planeta Terra. Nada conecta mais seres humanos no mundo.

    E a reestruturação?
    Um terço do alimento produzido no mundo é jogado fora. Isso tem que mudar. Por que não criarmos, por exemplo, feiras de alimentos feios, bons e próprios para o consumo? A volta dessa cadeia nunca foi pensada, e é exatamente isso que temos de fazer. Essa é a grande força de conservação do ambiente.

    De que forma?
    O ATÁ vem tocando vários projetos de apoio aos ingredientes e às comunidades. Por exemplo, os méis de abelhas nativas, que não são regulamentados, mas representam uma possibilidade concreta de suplemento de renda para a população carente urbana. Mas faltava para nós um grande guarda-chuva, e é isso que estamos tentando hoje.

    Via projeto de lei?
    As pessoas podem criticar, mas o fato é: se o projeto de lei está aí, por que não usar? Se amanhã o Ministério da Cultura reconhecesse gastronomia como cultura, eu tiraria o apoio à lei.

    Então é uma ação simbólica?
    Não. É o caminho mais fácil. Qual é o outro caminho? Existem milhões. Mas como é que eu vou fazer?

    Então é marketing?
    Acho que não. Foi o caminho que escolhi para elevar a gastronomia como cultura. Se alguém quiser tacar pedras porque nós escolhemos a Lei Rouanet, ok. Isso não vai mudar a programação. Nós queremos projetos maiores.

    Isso não pode soar como uma ação individualizada?
    Seis brasileiros foram capa da revista "Time", eu sou um deles. É lógico que eu tenho de ser a cara do ATÁ. Sou o ponto de dispersão para as filosofias do instituto, que são compostas por um grupo interdisciplinar de apaixonados por gastronomia.

    Você considerou agregar outras entidades do setor, como a Abrasel, o C5...?
    Como não? Essa pergunta eu deixo para você fazer para eles. Por que é que não consegui evoluir com as entidades citadas por você ou com instituições municipais, estaduais e federais? Cansei de escutar. Acredito que o meu papel hoje é ser dono de uma voz que necessita de ação. Vou usá-la para isso.

    Qual é o primeiro objetivo?
    Criar a discussão. O primeiro gol está feito.

    E o segundo passo?
    Criar comoção pública para a gastronomia ser votada como cultura.

    E uma vez votada?
    Já estamos sonhando com os próximos passos: criar elo entre gastronomia e educação, levar culinária para as escolas públicas, mudar o sistema agrícola, proteger a biodiversidade...

    Há um plano de ação?
    O lançamento de uma campanha para que haja uma conscientização do público de cozinha. O que é a cadeia do alimento? O cozinheiro contemporâneo urbano tem que entender que é fundamental usar melhor o ingrediente, gerar menos lixo.

    Você já disse que o papel do chef é "não ficar preso ao fogão". E hoje?
    O cozinheiro não tem de deixar a cozinha, mas ele não é mais aquele profissional que o empreendedor do restaurante queria trancado na cozinha sem direito a palavra. Não dá para dizer mais que não é uma profissão multifacetada e que não é a profissão mais pop do mundo.

    A Folha publicou que você tinha dívida de R$ 6 milhões em 2012. Qual a situação hoje?
    Olhando nos seus olhos, com toda a sinceridade, eu digo: eu não tenho sócio e a minha divida é a de qualquer empresa que existe.

    Você tem planos para outros negócios?
    Sempre tenho olhos para outros negócios [restaurante no topo do prédio da Gazeta com Facundo Guerra e revitalização do Mercado Municipal de Pinheiros]. E eu sonho em conseguir produzir as coisas aqui para o restaurante. Seria uma grande paixão da minha vida. Tenho milhões de vontades, mas hoje meu primeiro compromisso é o ATÁ. É entender a cadeia do alimento inteira, o que é o Brasil, o que é essa nova geração de chefs que o Brasil tem.

    Seu compromisso é o ATÁ. E qual é o compromisso do ATÁ?
    Aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir e o produzir da natureza. Esse é o compromisso do ATÁ: a educação, militar pelo meio ambiente, reestruturar a cadeia do alimento, tentar encontrar um caminho para o maior paradigma da humanidade para os próximos anos: alimentar 7 bilhões de habitantes no planeta Terra.

    E isso é possível com o predomínio do agronegócio?
    O Brasil é campeão mundial de emissão de químicos na natureza. Venho sendo criticado duramente por veganos e vegetarianos por falar abertamente do consumo de carne"¦ O sistema agrícola vigente hoje esteriliza ecossistemas e contamina futuras gerações. Não dá para fechar o olho para o número de sequelas por produtos químicos nas crianças das regiões produtoras de soja, arroz, milho e algodão. Chega de ficar criando guerrinhas entre veganos e cozinheiros.

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