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    Bordeaux dá mostras de que pode perder hegemonia no mundo do vinho

    TÂNIA NOGUEIRA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BORDEAUX

    27/03/2015 02h00

    Há mais de dois séculos, Bordeaux é o centro de negócios do mundo do vinho e serve como modelo para várias regiões. Nesta semana, no entanto, certo clima de tensão paira sobre a cidade francesa. Investidores e críticos estão especialmente atentos às degustações "en primeur" realizadas sempre nesta época.

    Na ocasião, são provados vinhos do ano anterior, ainda não prontos, e negociantes decidem até que ponto devem apostar na safra.

    A tensão se deve ao fato de que a degustação, que começa nesta segunda (30) e se estende até 3 de abril, é a primeira desde os anos 1970 sem a participação do crítico americano Robert Parker. Nos últimos 37 anos, sua opinião ditou os preços das safras. O inglês Neal Martin, que trabalha com Parker na publicação "The Wine Advocate" desde 2006, irá substituí-lo. "Esta é uma ótima safra para assumir. Imagine se fosse em 2013 e tivesse de dizer que o vinho era o pior em anos?"

    A expectativa é de que a safra 2014 seja melhor que a 2013, ano desastroso para Bordeaux, quando choveu muito, houve pragas e perda de pelo menos 30% da safra.

    Somou-se a isso o fato de os chineses comprarem menos rótulos caríssimos. "De 2009 a 2011, foi uma festa", afirma Jean-Charles Cazes, sócio do Château Lynch-Bages, no Médoc. "Muitos châteaux subiram seus preços. Agora os valores baixaram."

    Independentemente dos resultados desta "en primeur", a flutuação do mercado provou que a região não deve permanecer imutável em sua torre de marfim. As novas gerações não podem se dar ao luxo de, como seus pais, trancar-se em seus castelos.

    Para Jean-Luc Thunevin, sócio do Château Valandraud, em Saint-Émilion, até os grandes perceberam a necessidade de divulgação.

    "O Château Mouton-Rothschild, por exemplo, tem uma gama enorme de produtos", diz Thunevin. "Quando divulga o vinho principal, está divulgando a marca."

    Muitos produtores não gostam de receber visitantes porque moram nos châteaux. "Isolamos a área residencial e recebemos turistas", diz Nathalie Schyler, diretora de enoturismo e sócia do Château Kirwan, no Médoc.

    "Mesmo que não compre o vinho, o turista compreende o produto e passa isso para frente", afirma.

    A competição deixou de ser com o vizinho. "Os produtores de Bordeaux precisam entender que não estão sozinhos no mundo", diz Stéphanie de Bouard, 32, sócia e diretora-geral do Château Angelus, em Saint-Émilion.

    Muitas mudanças estão sendo ditadas pelos novos mercados e pelos novos tempos, como por exemplo o crescimento das práticas orgânica e biodinâmica. "Minha geração é mais sensível a questões ambientais", diz Caroline Frey, 36, enóloga do Château La Lagune, de Haut-Médoc. Bordeaux está aprendendo a conviver com isso.

    Divulgação
    Château Angelus, produtor de vinhos na região de Bordeaux, na França
    Château Angelus, produtor de vinhos na região de Bordeaux, na França

    O QUE ESPERAR DE UM TINTO DE BORDEAUX

    >> Visual
    Costuma ser um corte de cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc, petit verdot e malbec, com predominância de uma das duas primeiras. Tanto a cabernet quanto a merlot rendem vinhos escuros e densos com tom púrpura no início, que ficam acobreados com os anos

    >> Aroma
    São discretos, mas têm aromas frutados. Na margem direita do rio Gironde, onde a merlot predomina, a fruta costuma ser um pouco mais evidente. Na margem esquerda, reino da cabernet sauvignon, surgem pimenta-preta, tabaco e alcaçuz. A passagem por carvalho, característica da região, acrescenta aromas de baunilha, chocolate e café

    >> Paladar
    Costumam ser secos e encorpados

    *

    COMO COMPRAR UM BORDEAUX PELO RÓTULO

    Grand Vin de Bordeaux
    O melhor vinho da propriedade. Não significa que é um dos maiores vinhos de Bordeaux

    Reprodução
    Rótulo do vinho Bordeaux Supérier
    Rótulo do vinho Bordeaux Supérier

    Bordeaux Supérieur e Appellation Bordeaux Supérieur Contrôlée
    Feito na maioria das vezes de vinhas velhas, é mais complexo aromaticamente, mais alcoólico e mais encorpado do que um Bordeaux simples

    Mis en Bouteille au Château
    Engarrafado na propriedade. Embora comum, é um bom sinal: a garrafa não é de um negociante que compra o vinho a granel e depois engarrafa com sua marca

    Cru Bourgeois
    Costuma ser sinal de um vinho de qualidade. Significa que o vinho pertence à associação de Cru Bourgeois. Anualmente, uma comissão escolhe os rótulos que poderão receber esse título

    Reprodução
    Rótulo do vinho de Bordeaux Château Brane-Cantenac*
    Rótulo do vinho de Bordeaux Château Brane-Cantenac*

    Château
    Nome do vinho, que muitas vezes coincide com o da vinícola. Estar em letras grandes, maiores do que das outras informações, é bom sinal. Em geral, significa que a vinícola é reconhecida

    Grand Cru Classé en 1855
    A pedido do imperador Napoleão 3º, em 1855 a Câmara de Comércio de Bordeaux apontou os melhores vinhedos (crus) da região e os designou como Grands Crus, classificando-os em cinco níveis. Os Grands Crus Classés, em sua maioria, são ótimos vinhos, mas caros

    Nome do proprietário do château
    A presença do nome do produtor costuma indicar que ele tem prestígio. É um bom sinal

    Safras
    2005 - Excelente
    2006 - Boa
    2007 - Razoável
    2008 - Boa
    2009 - Excelente
    2010 - Excelente
    2011 - Razoável
    2012 - Boa
    2013 - Ruim

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