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    relato

    A experiência de provar coxinha de jaca

    BRUNO MOLINERO
    DE SÃO PAULO

    06/05/2015 03h00

    Muito se engana quem acha que o homem é movido por dinheiro, status e cerveja. Só uma mulher é capaz de fazer o indivíduo cometer verdadeiras atrocidades –a ponto de o maior dos preguiçosos acordar de madrugada para aulas de meditação, mecânicos depilarem as costas e carnívoros devorarem jacas, por exemplo.

    O último desses casos aconteceu comigo. O cenário é o Tubaína Bar, em São Paulo, e os olhos vegetarianos da minha namorada brilhavam ao encontrar entre as entradas do cardápio uma porção de coxinhas recheadas dessa fruta.

    Para ela, a jaca representaria a vingança contra uma década de opressão e determinismo de toda uma estirpe de quitutes e salgadinhos de frango. Para mim, a situação pedia a maturidade de quem tem oito anos e vai fazer exame de sangue: era preciso fechar os olhos e aguentar a dor, na esperança de ganhar um doce da enfermeira mais tarde.

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Porção de coxinhas de jaca do Tubaína Bar
    Porção de coxinhas de jaca do Tubaína Bar

    Eu deveria saber, após anos de experiência, que a dor sempre supera o prêmio. A coxinha de jaca até tem o mesmos formato, casquinha crocante e massa pegajosa do salgado convencional e conservador, o que é ótimo. O problema, óbvio, está no recheio.

    Vamos confessar: jaca não é legal. Não conheço ninguém, nem uma grávida vegana, que acorde no meio da madrugada com uma vontade insana de comer essa fruta. É Impossível colocá-la na boca e não sentir o odor de quando está apodrecendo no chão.

    Fora que, na coxinha, há uma tentativa bisonha de fazê-la ficar parecida com frango. E qualquer recheio de jaca travestida de galinha já começa com o pé esquerdo na briga pelo paladar –mesmo bem temperadinha, como era o caso, confesso.

    Acredito que, se tivessem escrito no cardápio "bolinha frita e pontuda recheado com jaca", em vez de coxinha, a experiência teria sido menos traumática. Seria apenas mais um dos milhares de aperitivos duvidosos, como os bolinhos de damasco e os pastéis de Belém do Habib's.

    Além disso, falar de coxinha é entrar na seara das instituições nacionais. Assim como não fazemos pães de queijo de uva passa nem brigadeiros de cenoura, não deveríamos fritar coxinhas de jaca. Era para ser cláusula pétrea da constituição gastronômica brasileira.

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