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    'O gosto não é o mais importante na comida', diz chef espanhol estrelado

    MAGÊ FLORES
    DE SÃO PAULO

    07/05/2015 04h55

    O chef espanhol Andoni Aduriz, do Mugaritz, eleito o sexto restaurante melhor do mundo pela inglesa "Restaurant", esteve em São Paulo nesta quarta-feira (6) e deu uma palestra gratuita sobre criatividade e vanguarda na universidade Anhembi Morumbi.

    Em entrevista, depois do evento, Aduriz quebrou paradigmas da cozinha. O chef afirma que o gosto não deve ser o principal elemento da comida já que, além de ser algo reproduzível pela indústria, é um conceito limitante. Aduriz falou também sobre sua busca por conhecimento e sobre seu processo de criação de receitas.

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    Divulgação
    O chef Andoni Aduriz, do Mugaritz, durante palestra em SP
    O chef Andoni Aduriz, do Mugaritz, durante palestra em SP

    Folha - O que é gastronomia? Quanto é experiência e quanto é comida?
    Andoni Aduriz - A gastronomia tem uma dimensão de efeitos sociais, econômicos, vínculo com a saúde, muitos aspectos. Um dia, em 2008, Antonio Damásio [neurocientista que estuda as emoções humanas] nos visitou e disse algo tremendo. "O que vocês fazem é muito bom. Vocês são muito criativos. Mas o que é verdadeiramente importante no seu trabalho é que ele faz as pessoas mais criativas." A gastronomia, no fundo, é um caminho de coisas, pode ser um caminho para se alimentar, para alimentar suas capacidades –e isso é o que me interessa. As capacidades das pessoas.

    Por que usar outras linguagens?
    Saíram coisas no Mugaritz que beiram a performance. Tento incluir o observador na experiência para que as pessoas levem algo muito além de comida. Uma dúvida, um conhecimento. Nós destilamos conhecimento. Fizemos milhares de viagens, visitamos milhares de mercados. Eu me enveneno na rua pelos clientes, para que não tenham que fazê-lo.

    Como é o processo de criação?
    Nós fechamos todos os anos por quatro meses para criar. Trabalhamos produtos, técnicas, metáforas e tudo o que podemos, para destilar e ter algo. É como remover toneladas de areia para encontrar uma pedrinha. Faço criatividade e tive muita sorte. Esse tempo eu compro, são 500 mil euros, mas sou feliz.

    O que te move?
    Metade dos meu clientes vem de fora da Espanha. Se alguém vem de Londres, da África do Sul, dos Emirados Árabes, se alguém percorre meio mundo para comer, o que você dará tem que ser extraordinário. Qual é o conceito de extraordinário? O que é para mim, certamente não é para você. O problema da gastronomia é que o conceito de gosto é muito discutível. O conceito do que é bom é ambíguo, quando eu enfrento isso só tenho uma ferramenta: a sinceridade. Eu me mostro tal qual sou. Você pode gostar ou não.

    Como você lida com as cópias e a 'propriedade da criação'?
    Estou pensando para frente, não posso me preocupar se estão me copiando ou não. Aliás, é uma honra. O que eu digo te interessa? O que mais posso pedir? Outras pessoas se inspirarem no seu trabalho é um privilégio. Dói quando te copiam e não te reconhecem, mas isso depende de como está o seu ego. Há um momento-chave que é poder contar o que você faz. Explicar por que e para que você faz as coisas. Quem copia não sabe de onde vêm ou os porquês.

    Qual a dimensão da cozinha?
    Sabe por que eu sou cozinheiro? Minha mãe tem 86 anos. A diferença entre mim e meus irmãos é de 15 anos. Ela me teve mais velha. Quando eu tinha 14 anos, viu que eu era mau aluno e não tinha vocação para nada. Ela, que teve uma infância difícil, pensou: "O objetivo número um é que esse menino não morra de fome". Me colocou na escola de cozinha porque essa seria a única maneira de eu seguir comendo quando ela morresse. Por respeito a meus pais, eu estudava, mas nada me interessava. Os professores não transmitem paixão, valores. Cozinhar tem uma dimensão impressionante e está tudo por fazer. Eu quero aprender. Tenho vontade de fazer coisas diferentes, não quero ser um chef com uma pança, a roupa suja e de mal com a vida.

    Você teve um problema com a escola, não?
    Repeti um ano da escola de cozinha. Não te digo mais nada.

    Como é sua busca por conhecimento?
    Perguntando. Para mim, a ingenuidade é um luxo, é incrível. Odeio discursos populistas. Gosto das perguntas difíceis, de me fazer essas perguntas. Estamos perguntando há dez anos e há dez anos somos vistos como bichos estranhos. Se provoco, não é para incomodar. Se te digo que o gosto não é o principal, é para debater.

    O gosto não é o principal?
    No mundo, há quatro vezes mais produtos com sabor de morango do que morangos. O gosto, entendendo que ele é gosto mais aroma, pode ser reproduzido pela indústria sem problemas, e você não percebe. A textura, a indústria não replica. A textura de um peixe, de uma verdura, isso a indústria não pode fazer. Eu venho de uma cultura com perfil de gosto muito baixo. Meus produtos, que construíram meu gosto de base, são texturas, como a merluza, que é um pouco doce, mas é textura. O que é o mais importante do caviar? O gosto ou a textura? Por que as bolas maiores são mais caras? A textura é definitiva.

    Entre gosto e textura?
    Há uma coisa boa na gastronomia: não há que escolher. Ali estão todos os sentidos. Não acho que o sentido principal é o gosto. Me rebelo. Como conceito, ele é limitante. Como você encara algo novo?
    A partir do seu gosto, e você rechaça. Se você se aproxima das coisas a partir do seu gosto, você limita tudo.

    O que você pensa dos prêmios e das estrelas?
    São créditos de confiança. Oportunidades para errar. As pessoas pressupõem que somos bons e isso nos permite assumir mais riscos. É um privilégio.

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