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    Veja bastidores da premiação de melhor restaurante da América Latina

    LUIZA FECAROTTA
    ENVIADA ESPECIAL A CIDADE DO MÉXICO

    24/09/2015 17h18

    Divulgação
    Cerimônia de premiação do 50 Best América Latina
    Os premiados no 50 Best América Latina se reúnem no palco, no final da cerimônia

    A cerimônia da terceira edição do 50 Best América Latina foi realizada na Cidade do México, em uma belíssima construção colonial no centro histórico –adornada com tapetes vermelhos (!).

    Trata-se do Antiguo Colegio de San Ildefonso, que surgiu da reunião de três jesuítas, em 1583, e deixa explícitos, em sua arquitetura, traços barrocos, colunas e fachadas cobertas com rocha vulcânica.

    Para embalar, Buena Vista Social Club passou pela playlist do animado som ambiente. Acompanhe os flashes do evento desta quarta (23).

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    Ao longo do evento, que recebeu cerca de 500 pessoas, era possível bebericar cervejas mexicanas, destilados típicos, champanhe e sucos.

    Valiam mais, no entanto, os caprichados drinques: um à base de coco fermentado e mezcal, um destilado do suco extraído das pinhas cozidas de agave (planta suculenta de uma família diferente da dos cactos); outro à base de frutas vermelhas, tequila e mel.

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    Para comer, entre canapés como figo e queijo de cabra, ceviche, guacamole e lagosta com queijo, mais se destacaram as típicas tostaditas.

    Sobre uma base de milho, acomodam-se feijões fritos, salsa de amendoim e carne de porco cozida lentamente por horas com ervas aromáticas e depois marinada com uma salsa de chile pasilla (seca, com cor da café e de picância moderada).

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    A Cidade do México foi a anfitriã da cerimônia de premiação neste ano, papel cumprido por Lima, no Peru, nos últimos dois anos.

    Para o peruano Gastón Acurio, considerado o chef mais importante da América Latina, que trava significativo diálogo com o governo na tentativa de valorizar a gastronomia local, o fato de a cerimônia ter sido no México é a "consolidação da fraternidade de um movimento que não é peruano e, sim, latino-americano".

    Para ele, é importante que sempre haja novos restaurantes na lista, para que jovens tenham chance de celebrar um momento como esse, com "gente que tem trabalhado maravilhosamente, valorizado produtos e receitas de suas terras e criado experiências mágicas".

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    O Pujol, de Enrique Olvera, ficou na nona posição na lista e é considerado o melhor restaurante do México.

    Olvera também foi contemplado com o prêmio de conjunto da obra, o mesmo que Alex Atala (D.O.M.) recebeu no ano passado.

    Envolvido com a harmonia entre tradição e modernidade, no qual enxerga elementos do passado como ferramentas criativas, Olvera explora sabores e produtos nativos e é ativo na promoção de debates em torno da comida, à semelhança do que faz no congresso Mesamérica, no qual reúne cozinheiros, especialistas e cientistas.

    Folha - Qual a importância de o prêmio ser no México neste ano?
    É positivo para nós, porque acabamos recebendo muitos cozinheiros no México que, de outra maneira, não estariam aqui. E eles terão de comer e conhecerão melhor a nossa cozinha –não só os restaurantes, mas também os mercados. E se converterão, quem sabe, em embaixadores da cozinha mexicana.

    E como é ser considerado o "embaixador da cozinha mexicana"?
    Há muitos embaixadores da cozinha do México. Gerardo [Vazquez Lugo], Alicia [Gironella]... René Redzepi é um grande embaixador da cozinha mexicana, fala muito do México. Somos como uma sentinela dessa cozinha. Temos muitos bons embaixadores.

    E o prêmio que você ganhou, neste ano, pelo conjunto da obra?
    Acho que os prêmios personalizados têm menos transcendência. É muito bonito ter seu trabalho reconhecido, como no meu caso, mas não há tanto uma consequência direta, no dia a dia. No caso dos restaurantes, o prêmio é uma ferramenta de promoção que nos permite entrar em um ciclo positivo: tenho mais comensais e tenho, portanto, mais dinheiro, posso pagar melhores salários, posso comprar melhores produtos e assim o restaurante se sai melhor e entra num ciclo positivo.

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    Alex Atala, aliás, não foi à cerimônia, mas falou à Folha um dia antes sobre sua aposta. "Para mim o Pujol é o melhor da América Latina. Essa foi a minha conclusão e a do René Redzepi [do Noma, o dinamarquês número 1 do mundo] no nosso último jantar lá." E como você descreveria a cozinha do Enrique Olvera? "Autêntica."

    O D.O.M. caiu uma posição na lista e foi do terceiro para o quarto lugar.

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    No burburinho do evento, antes de começar a premiação, Alberto Landgraf, do paulistano Epice, estava com a expectativa baixa. Para ele, o Brasil iria cair nas colocações.

    Por quê? "Foi um ano difícil para a economia e os restaurantes se preocuparam mais em sobreviver."

    De forma geral, foi o que aconteceu –mas seu restaurante foi contra a corrente e subiu dez posições, alçado, portanto, à 26a posição.

    Durante sua estadia, Landgraf esteve em restaurantes reconhecidos no México, como o Pujol e o Quintonil, mas foi o Mercado de La Merced que mais o chamou a atenção. "É onde os próprios mexicanos fazem as compras, éramos os únicos estrangeiros lá."

    O chef achou o país divertido, comeu muitos tacos na rua e o que mais lhe impressionou com a "genuinidade da relação das pessoas com a comida. As pessoas se identificam muito com o que comem".

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    O carioca Thomas Troisgros, que trabalha ao lado de seu pai, Claude, no Olympe, 23o colocado na lista, esteve pela primeira vez no México.

    No primeiro dia de viagem, ele e seu amigo Rafael Costa e Silva (chef do Lasai, também no Rio) passearam pela parte velha da cidade a comer tacos em vários lugares na rua, com a orientação de um guia local.

    "Acho a tortilla mais genial que o nosso pão. porque você pode envolver qualquer coisa dentro e comer."

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    Neste ano, ao mesmo tempo em que o Brasil perdeu força, numa visão macro, notou-se um fortalecimento do Rio de Janeiro na lista. Para Claude Troisgros, o Rio sempre esteve em evidência, mas agora está mais "jovem", mais fresco.

    "É uma cidade que se move, artística, que recebe muita gente de fora. O tempo inteiro está se renovando. Entao podemos falar de gastronomia como falamos de música ou de arte. E esse momento a gente tem isso na gastronomia carioca: uma renovação constante, não só dos chefs de cozinha, mas do cliente, que está querendo comer melhor e querendo mais novidades. Por isso o Rio hoje está onde está, com essa juventude na culinária."

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    Claude já esteve no México outras vezes e acha que o país é uma grande potência na gastronomia –não só na tradicional, mas também na moderna. Foi curiosa a comparação que ele fez dessa cozinha com a cozinha francesa.

    "O mexicano só fala de comida. O francês só fala de comida. A gente sempre está pensando no que vai almoçar, no que vai jantar. A gente levanta, de manhã, pensando na comida, e os mexicanos são um pouco assim também. Acho que a culinária faz parte da sua cultura."

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    Rafael Costa e Silva, do Lasai, no Rio, foi braço direito de um dos maiores chefs do mundo, Andoni Luis Aduriz, do espanhol Mugaritz, e neste ano foi consagrado por uma estrela "Michelin" e entrou na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina na melhor posição, na ala dos estreantes.

    Para Claude Troisgros, o francês carioca que tem décadas de estrada na cozinha e uma respeitåvel tradição familiar na área, "não poderia ser diferente".

    E por quê, Claude? "Porque o Rafa é um dos maiores talentos que temos no Brasil hoje. É um cara que, primeiro, trabalhou muito tempo na Espanha com Andoni, que sabe o que está fazendo muito bem, tecnicamente, ele valoriza como ninguém o produto brasileiro e o pequeno produtor, e é muito dedicado ao que ele faz."

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    Rafa Costa e Silva conhece a cozinha mexicana de outros Carnavais. Sua mulher é mexicana e sua estadia na Cidade do México o relembrou de muitas coisas boas que ele já comeu. E o que mais gostou? "Fui duas vezes num lugar de tacos aqui nessa rua [no centro histórico] que faz taco de cérebro, de olho, de língua, de tripa. Sou apaixonado por flautas e por tacos."

    Folha - O Claude acaba de dizer que você é o maior talento jovem da gastronomia brasileira agora há pouco.
    Ah, mas o Claude é meu amigo [diz o chef, entre risos, num tom low-profile e bem-humorado].

    O que você identifica na sua cozinha como algo tão aparente, que tem chamado a atenção de tanta gente?
    Às vezes eu me sinto uma farsa. Porque acho que eu não faço nada de mais. A gente só é muito rigoroso na cozinha, no respeito às técnicas tradicionais, às técnicas de vanguarda e aos ingredientes. A gente só faz o que a gente realmente deveria fazer. Acho que as pessoas têm gostado disso: que temos feito o bem-feito.

    Para você, qual a diferença entre o "Michelin" e o 50 Best?
    A importância desses prêmios é que eles te dão força para continuar fazendo o que se quer fazer, e sempre melhorar. Eles levam mais gente para o restaurante, dão incentivo, mostram que você está indo pelo caminho certo.

    O 50 Best mostra mais tendências e o "Michelin" é mais conservador. Como é ter sido reconhecido pelos dois com um Lasai ainda com tão pouco tempo de vida?
    Respeito os dois e discordo que o "Michelin" seja conservador. Na primeira visita que eles fizeram ao restaurante, o Lasai tinha quatro meses. Se eles fossem conservadores, eles não fariam isso.

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    Thiago e Felipe Castanho, os irmãos à frente do Remanso do Bosque (Belém do Pará), que marca presença na lista pelo terceiro ano consecutivo, estavam presentes na cerimônia, sempre ao lado da turma de brasileiros.

    Como um restaurante como o Remanso, fora das rotas óbvias de viagem, consegue volume para figurar numa lista como essa? "O 50 Best tem um público muito pequeno de pessoas, um nicho da gastronomia. E esse nicho circula nos polos que têm mais voz, nos centros da gastronomia ou nos países que têm estrutura para serem mais fortes no marketing. O Brasil está mais fraco neste ano, e o fato de estarmos na lista hoje é algo a se pensar. Belém não existia. Era só o eixo Rio-São Paulo", diz Thiago.

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    Outros presentes tocaram, também, nesse tema que Thiago Castanho passou de raspão, sobre a ausência de apoio do governo para promover a gastronomia brasileira.

    Rafa Costa e Silva, do Lasai, disse que quer "expandir a união entre chefs para além do eixo Rio-São Paulo". Claude Troisgros (Olympe) disse que "é preciso se juntar para crescer e, futuramente, quem sabe, ser um Peru, um México."

    Mas, será que os chefs são mesmo tão unidos no Brasil a ponto de causarem pressão no gorverno? Para Josimar Melo, colunista da Folha e um dos presidentes do júri do 50 Best, os chefs no Brasil estão "imobilizados".

    "Tem países onde os chefs têm lideranças e essas lideranças se transformam em movimentos que causam pressão política."

    Melo cita exemplos como o do Peru, país que, antes de ter ajuda do governo, teve chefs conectados, que criaram um movimento capaz de pressionar o governo, liderado pelo Gastón Acurio. "E hoje, talvez proporcionalmente, seja o país que mais investe dinheiro na gastronomia, no mundo."

    No México, diz, isso acontece na figura de um chef que é o Enrique Olvera [Pujol]. Respeitado, ele agrega os cozinheiros, promove eventos entorno da gastronomia e acabou se transformando em uma fonte de pressão do governo.

    "No Brasil, isso não existe. Não tem nenhum chef que assuma o papel de agregar outros chefs num movimento."

    O Alex Atala não seria um possível líder? "Sim, ele seria um líder natural, mas não assume esse papel. Ele promove suas próprias iniciativas, que mesmo quando positivas, revertem para sua imagem mas não congregam seus pares. Uma pena, porque tem um prestígio mundial enorme, é um grande chef, mas não reverteu isso, como em outros países, em um movimento."

    E como os chefs poderiam pressionar o governo? "Não sou eu quem devo dizer. Os chefs que devem encontrar esse caminho. Mas no mundo há exemplos diferentes. Na Espanha, por exemplo, você teve um chef como o Ferran Adrià, que não criou nenhuma associação, mas que sempre levou com ele outros chefs em todos os eventos."

    "Não foi o governo da Espanha que fez o Ferran Adrià. Mas ele ganhou prestígio e começou a atrair a atenção. Assim, o governo da Espanha percebeu que tinha uma mina de ouro ali na gastronomia e começou a trabalhar com isso lá."

    Melo conta que soube, recentemente, que também na Colômbia 50 chefs se reuniram para criar um movimento. "Daqui a pouco, é muito provável que o governo colombiano olhe para isso e também outros países do mundo."

    No Brasil, diz, seria ideal que o governo olhasse para a gastronomia e investisse mais dinheiro nisso. "Mas no mundo inteiro nunca foi o governo que tomou o primeiro passo. Por que há de ser assim no Brasil?"

    Hoje mesmo o Claude Troisgros disse que os chefs no Rio são "muito unidos". Eles são? "São amigos, mas isso não é um movimento. Se eles querem aumentar a visibilidade da gastronomia brasileira, eles precisam se movimentar. E isso vale para qualquer coisa."

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    Ruth Reichl, uma das mais importantes jornalistas e escritoras americanas da área, que foi crítica de restaurantes do "New York Times" e editora da finada revista "Gourmet", estava na cerimônia de premiação.

    Havia ido ao México dias antes para participar do Mesamérica, uma série de debates com especialistas (cozinheiros, escritores, jornalistas, cientistas) promovido pelo chef Enrique Olvera, do Pujol, da mesma cidade, no qual ela fez colocações provocativas.

    "A imprensa, hoje, não é uma imagem muito gratificante." Para ela, há tanto o que comunicar, atualmente, sobre tecnologia e seu impacto na produção de alimentos, sobre justiça social, sobre políticas fiscais. "Isso tudo deveria ser abordado nas publicações sobre comida."

    "O que parece é que os chefs estão ocupando o espaço que a imprensa deixou vazio."

    Para ela, o público necessita de informações verdadeiras. "A comida é uma área rara na qual o consumidor tem grande impacto. Se considerarmos o confinamento dos animais, a presença da gordura trans e paramos de comprar determinado alimento, ele pode sumir. A seleção de nossos alimentos pode mudar o mundo. Os consumidores precisam de informações e essa é a nossa tarefa: comunicar toda a informação que temos de ter."

    LUIZA FECAROTTA é jurada no 50 Best América Latina e viajou a convite do Conselho de Promoção Turística do México

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