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    Com livros, TV e festivais, chefs palestinos ganham o paladar de Israel

    DA ASSOCIATED PRESS

    15/12/2015 02h00

    Dan Balilty-8.dez.2015/Associated Press
    This Tuesday, Dec. 8, 2015 photo shows Shishbarak dish made by the Israeli Arab chef Johnny Goric during a Palestinian food Festival in Haifa, Israel. Goric has cooked for President Barack Obama and served as a judge on the Palestinian version of Masterchef, a reality TV cooking show. In July, he put out his first cookbook, but rather than publish in his native Arabic or in English, Goric’s debut recipes are in Hebrew. (AP Photo/Dan Balilty) ORG XMIT: DV502
    Shishbarak preparado pelo chef Johnny Goric em festival de comida palestina de Haifa

    O chef palestino Johnny Goric já cozinhou para o presidente Barack Obama e foi jurado da versão local do "MasterChef", reality show culinário. Em julho, lançou seu primeiro livro de receitas –mas, em vez de publicar em sua língua materna, o árabe, ou em inglês, ele estreou no mercado editorial em hebraico.

    Seu livro destaca algo inesperado em relação ao crescente grupo de chefs palestinos e israelenses de origem árabe, que tem saído das sombras da agitada cena gastronômica local com novos restaurantes, livros e escolas: seus melhores clientes são, em sua maioria, israelenses.

    Nas últimas duas décadas, a cozinha de Israel floresceu na cena internacional. No ano passado, a revista sobre comida e vinhos "Saveur" nomeou Tel Aviv um destino gastronômico extraordinário. A edição local do "MasterChef" é muito popular entre israelenses e um reality show local, "Game of Chefs", ganhou recentemente uma versão na TV alemã.

    Ainda que se baseie nos mesmos ingredientes locais, a cozinha palestina recebeu muito menos atenção global –até agora.

    Na semana passada, duas dúzias de chefs árabes e um punhado de colegas judeus desembarcaram na cidade portuária de Haifa para quatro dias de celebração à cozinha árabe. O festival foi criado pela chef árabe israelense Nof Atamna-Ismaeel, que foi aclamada nacionalmente quando ganhou a versão local do "MasterChef" em 2014 –e que regularmente aparece em programas de TV do país.

    No festival de Haifa, multidões de curiosos vagaram pela cozinha de um restaurante enquanto o chef-celebridade judeu Meir Adoni preparava pratos com húmus ao lado do restaurateur de origem árabe Hussam Abbas.

    "Judeus e árabes podem e devem aprender sobre as tradições culinárias de um e de outro", disse Atamna-Ismaeel, que quer fazer do festival um piloto para uma escola de cozinha que pretende abrir em sua cidade natal, Baqa al-Gharbiya, no norte de Israel.

    Cerca de um quinto da população de Israel é árabe. Esses cidadãos têm direitos iguais, mas enfrentam certa discriminação em relação a verbas de governo, emprego e habitação. As taxas de pobreza são maiores entre os árabes do que na população judia do país.

    Por anos, o descompasso de rende reprimiu a cena gourmet. Nos anos recentes, cidadãos árabes alcançaram novos patamares em áreas como música, artes, esportes, jornalismo –e gastronomia.

    Um grande desafio para os chefs árabes tem sido superar as baixas expectativas dos clientes israelenses, segundo Abbas, dono da El Babur, rede de três restaurantes no norte de Israel. Ele diz que, quando abriu sua primeira casa, em 1979, os comensais só queriam "húmus, batata frita e salada". Agora, eles têm abraçado o uso de ingredientes locais como rúcula, espinafre selvagem, aspargos e endívia.

    Chefs árabes mais jovens têm mudado o patamar, abrindo restaurantes de tapas na cidade de Acre e revisitando antigas receitas sírias em Haifa.

    Ainda assim, o clima político permanece um desafio para essa nova geração de chefs. O festival foi organizado durante uma onda de três meses de violência. Desde o meio de setembro, palestinos mataram 19 israelenses em tiroteios, ataques a faca e com carros. Ao menos 109 palestinos morreram por ataques israelenses no mesmo período; 73 deles eram, segundo Israel, agressores.

    Abbas diz que seus restaurantes sofreram grandes perdas, na medida em que clientes judeus hesitam em entrar em cidades árabes para jantar.

    Ao mesmo tempo, as portas que têm sido abertas a israelenses árabes permanecem fechadas, em sua maioria, aos palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, largamente excluídas dos clientes israelenses, com as restrições impostas a viagens a essas regiões.

    Não há uma rede de TV palestina especializada em comida. Uma revista dedicada à cozinha palestina foi lançada em Ramala em 2012, mas acabou meses depois; o "MasterChef" palestino foi encerrado depois de uma temporada, por falta de patrocínio. Uma rara exceção ao anonimato da comida palestina foi "The Gaza Kitchen" (a cozinha de Gaza), livro de receitas publicado em 2013, via financiamento coletivo, para celebrar os pratos desse enclave costeiro.

    Peter Nasir, dono de um restaurante em Ramala, na Cisjordânia, diz que seus clientes palestinos relutam em "apostar" seus limitados ganhos em pratos novos e geralmente pedem por clássicos "old-fashioned", como o frango à Cordon Bleu.

    "Israelenses são mais abertos a provar coisas novas. Aqui você coloca romãs na salada e as pessoas começam a pirar", afirma. Ele diz que não tem pressa em colaborar com colegas israelenses, "que em algum momento podem vestir um uniforme e apontar uma arma para você".

    No festival gastronômico de Haifa, as relações calorosas entre chefs árabes e judeus ofereceu uma rara luz em um período sombrio na região.

    O chef israelense Meir Adoni, que tem raízes no Marrocos, serviu um rico cozido de cordeiro, frango e alcachofras de Jerusalém sobre um cremoso húmus.

    "A assinatura que você tem nos meus pratos é a mistura dessas duas influências: uma, os pratos da minha avó judia; a segunda, a influência dos árabes", diz ele, acrescentando que, enquanto os jovens chefs árabes agora perseguem a cozinha molecular, os judeus estão vasculhando as raízes da cozinha palestina.

    O palestino Goric serviu, no festival, sua especialidade, shishbarak da cidade síria de Aleppo –delicados bolinhos cozidos de carne fritos e servidos com iogurte de leite de cabra temperado com hortelã e alho e finalizado com raspas de limão.

    Em setembro, ele abriu uma escola de culinária em Ramala e tem grandes ambições para a região.

    "Minha visão é elevar o nível de hospitalidade", disse. "É como estar em uma caixa. Precisamos sair dela e descobrir artes culinárias".

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