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    No Netflix, Michael Pollan mostra por que passar mais tempo na cozinha

    MAGÊ FLORES
    DE SÃO PAULO

    18/02/2016 12h28

    Reprodução
    O jornalista e escritor Michael Pollan prepara kimchi em nova série do NetflixReprodução
    O jornalista e escritor Michael Pollan prepara kimchi em nova série do Netflix

    Em sua casa, em Berkeley, na Califórnia, o jornalista tem produzido cerveja com o filho –o jovem conta, animado, dos primeiros sinais de que a bebida fermentava. No jardim, o pai mesmo construiu uma churrasqueira e, segurando sua long-neck, passou horas esperando com os amigos que o churrasco ficasse pronto.

    Apoiado no balcão da cozinha, conversa sobre a importância do fator tempo ao preparar uma receita com uma aluna, cozinheira profissional, que trocou de lugar com ele e o ensina a cozinhar.

    As cenas informais, com uma pitadinha de intimidade, aproximam o pesquisador Michael Pollan, autor de sete livros e pensador da alimentação, dos reles mortais (nós, telespectadores) na série "Cooked", do Netflix, que estreia nesta sexta-feira (19).

    Ao fazer sua própria bebida alcoólica, um porco inteiro na brasa e pães de fermentação natural –que podem ser um tanto intimidadores–, ele mesmo revela as inseguranças diante dos preparos. As receitas, além de simbólicas (um contraste aos produtos de fácil acesso em prateleiras), ajudam na condução do discurso que já foi apresentado em seu livro mais recente "Cozinhar - Uma História Natural da Transformação" (Intrínseca), lançado em 2014 no Brasil.

    "O que esperamos é que a série inspire pessoas a levantar de seus sofás e ir para a cozinha, não por obrigação ou dever, mas porque o processo é atraente", disse o jornalista à Folha. "É verdade que algumas receitas da série são ambiciosas, mas a celebração do processo, com toda a sua sensualidade e energia social, deve ser contagiante, te fazer querer ser parte de algo tão ligado à identidade dos humanos e que ainda tem o potencial de nos restaurar."

    Divulgação
    Michael Pollan prepara pão na série "Cooked", do Netflix
    Michael Pollan prepara pão na série "Cooked", do Netflix

    A série documental tem como diretor, por exemplo, o celebrado Alex Gibney, vencedor do Oscar com "Um Táxi para a Escuridão" (2007) e é dividida em quatro episódios. Como no livro, as partes levam os nomes terra, ar, fogo e água, elementos que transformam os alimentos.

    Em terra, Pollan trata da fermentação, da ação de bactérias. Ele prepara kimchi (condimentada receita coreana de vegetal fermentado) e, em paralelo, a irmã Noella Marcellino, uma freira beneditina especialista em microbiologia, queijos. É um bom gancho para tratar de diferenças culturais (e de comidas sendo tratadas como coisas bizarras na TV) e o pânico de bactérias.

    O ar, "algo mágico", que não se vê, é o que transforma e dá leveza ao pão. Uma mãe marroquina, sentada no chão, mistura farinha e água aos olhos do filho. Desse país vêm as cenas da produção de trigo e moagem do grão para a farinha, que levam a assuntos mais difíceis, como as políticas agrícolas e a demonização do glúten.

    "Quando cozinhamos nos tornamos verdadeiramente humanos", diz o pesquisador. E esse ato de generosidade e amor, que toca profundamente, só poderia existir com o fogo. Em um campo da Austrália, um aborígene munido de espingarda sai à caça. As chamas, que transformaram o alimento já em tempos primitivos, amaciam a carne para trazer à tona o "matar para comer", "caçar para respeitar a carne".

    Assista ao trailer

    Ter tempo para cozinhar é mais importante do que as pessoas pensam, defende Pollan. E, em uma receita de longo cozimento, ele e a água serão os responsáveis por misturar e harmonizar sabores. Em uma Índia colorida, onde também há muito trabalho e pouco tempo, as pessoas conseguem dar seus jeitos de não comer receitas processadas para aquecer em micro-ondas, ele mostra. E aí entra em pauta o papel da indústria em tornar cozinhar algo "difícil demais" para os tempos modernos.

    Pollan, que critica o tempo excessivo que passamos vendo programas de culinária na TV (e não no próprio fogão), usa seus quatro episódios para resgatar preparos tradicionais, mostrar receitas que são formas de conhecimento mundo afora e discutir (novamente, em outro formato) a alimentação moderna.

    "A série é sobre muito mais do que técnicas de cozinha -o que acaba sendo, na verdade, o de menos. Estamos interessados nos significados de cozinhar para nossa espécie, nossa família, nosso bem-estar e nossa história. Ela olha para o fenômeno por várias lentes, incluindo antropologia, ciências sociais e biologia evolutiva. Quantos programas de cozinha fazem isso?", questiona Pollan.

    COOKED
    QUANDO a partir de 19/02
    ONDE netflix.com

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