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    Expedição de 5 anos mapeia preparos, ingredientes e personagens pelo Brasil

    LUIZA FECAROTTA
    ENVIADA ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

    30/03/2016 02h00 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Adilson Adílio de Sousa, 56, acha mais cansativo fazer queijo do que trabalhar na construção civil, ramo no qual atuou por 37 anos.

    Ainda assim, trocou um ofício pelo outro quando conheceu a agrônoma Elisabeth Schober, uma francesa que na ocasião precisava de "uns serviços de pedreiro".

    Eis que a relação desembocou em uma sociedade num laticínio, o Queijo com Sotaque, que elabora 23 receitas francesas à beira de uma rodovia em Paulo Lopes, município de Santa Catarina, a uma hora de Florianópolis.

    São processos como esse -particulares, artesanais e, sobretudo, brasileiros- que estiveram no radar da Expedição Fartura ao longo dos últimos cinco anos.

    O projeto nasceu como ramificação do Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, com o propósito de mapear o país. Garimpou-se ingredientes, personagens das cadeias produtivas e modos de preparo Brasil afora.

    Bem, depois de percorrer todos os Estados brasileiros (mais o DF), 176 cidades, 66 mil quilômetros em uns tantos meios de transporte -tais quais canoa, bugue, búfalo, mototáxi-, de três livros (leia em folha.com/no1755173) e de uma série de documentários a expedição encerrou seu primeiro ciclo, em Florianópolis, na semana passada.

    "Conversamos com produtores, historiadores, feirantes, biólogos, pescadores, cozinheiros", diz Rusty Marcellini, que coordenou as viagens dos quatro últimos anos. "A conclusão desta etapa me deu uma certeza: o Brasil tem uma gastronomia riquíssima que ainda precisa ser descoberta pelos próprios brasileiros."

    DE NORTE A SUL

    À beira do rio Negro, no Amazonas, chega-se de barco a uma comunidade na qual vive Manoel Gomes. Ele colhe mandioca-brava numa pequena roça, faz farinha d'água e enterra bucho de jaraqui, um peixe popular na região, para adubar a terra.

    Manuel Bandeira, o poeta, diria que o ribeirinho fala a "língua errada do povo" -o povo que fala "gostoso o português do Brasil". Pois ele mistura banha de cobra com raiz de açaí para lhe servir de cura quando o "corpo rói".

    Em outra população remota, em Mangue Seco (BA), uma senhora canta para atrair aratus, aqueles caranguejinhos típicos dos manguezais, que se prestam a preparos como a moqueca enrolada na folha de bananeira, como faria dona Flor, a cozinheira da ficção de Jorge Amado.

    Também no mangue, mas dessa vez na Ilha do Marajó, no Pará, dois meninos "parrudinhos", nas palavras de Adriana Benevenuto, a produtora da expedição, entram descalços naquela área lodosa para alcançar um tronco no qual se alojam os turus. Tratam-se de moluscos à semelhança de minhocas, degustados com limão e sal e só.

    Num rápido apanhado, a equipe acompanhou ainda sergipanas a tirar sururus de suas conchas; o abate de tartaruga no Macapá, com serrote, martelo e furadeira, autorizado pelo Ibama; e o preparo de uma cabeça de boi, em Tocantínia (TO), enterrada num buraco com brasas e depois compartilhada, com molho de tomate e arroz.

    Pois bem. Dormiu-se em barco, enfrentou-se um calor do cão, comeu-se bem (e muito). As viagens, para além do repertório intrínseco, servem de alimento aos festivais Fartura, com barracas de comida, produtos brasileiros à venda, shows, aulas e workshops de gastronomia.

    Com edições já realizadas em Belo Horizonte e Fortaleza, o Fartura tem parada marcada em Porto Alegre e São Paulo -esta em junho, em parceria com a Folha.

    A jornalista LUIZA FECAROTTA viajou a convite da Expedição Fartura

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