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    Idoso de 92 anos cuida da mulher, de 86, que tem Alzheimer

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    11/05/2014 01h52

    Aos 92 anos, Antonio Joaquim dos Santos cuida da mulher, Maria de Lourdes, 86. Maria sofre há 12 anos de Alzheimer e, um mês atrás, sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral).
    Com ajuda da filha, que mora em outra casa, Santos dá banho, ajuda a trocá-la e faz comida para a mulher, com quem é casado há 62 anos. A cada dois meses, ele passa pelo ambulatório de geriatria da Unifesp, onde é avaliado pela médica, psicóloga e assistente social.

    A Folha acompanhou sua consulta na última sexta-feira. Sozinho, ele sai cedinho de casa, na Vila Arapua, zona sul de São Paulo, e pega dois ônibus até a Vila Mariana, também na zona sul, onde fica o ambulatório. Em uma pequena mochila preta infantil, carrega os remédios e as receitas para mostrar à médica Carla Bezerra.

    Ela faz uma série de perguntas sobre a saúde física ("está se alimentando, está tomando todas as medicações?) e mental ("está se sentindo triste? pensa na morte?").
    Com dois aparelhos auditivos, Santos ouve atentamente e responde as perguntas sem rodeios. "Não penso na morte, me preocupo com a vida mesmo. Com a saúde da minha mulher e com meu filho alcoólatra." A seguir, trechos do seu depoimento.

    *

    Conheci minha mulher em 1950, três anos depois de eu sair de Xique Xique, na Bahia, e vir tentar a vida em São Paulo. Ela era da mesma cidade, mas não nos conhecíamos. Casamos, tivemos cinco filhos.

    Há 12 anos ela começou a ter insônia, a ficar com muito medo de tudo, não conseguia ficar em casa sozinha. Depois começaram os esquecimentos. Às vezes, ela não reconhece os netos e me confunde com meu filho mais velho.

    Até o ano passado, tínhamos uma empregada que ajudava nas coisas da casa e a tomar dela, mas ela pediu para sair, não aguentou. Moro com mais dois filhos e uma nora. Mas eles trabalham e minha nora está fazendo tratamento de câncer, está muito debilitada e não tem como ajudar. Minha filha mora no mesmo bairro e ajuda o que pode, mas também tem os filhos, a casa para cuidar.

    Cláudia Collucci/Folhapress
    Antonio Joaquim dos Santos, 92, que cuida da mulher, de 86 anos, que sofre da doença de Alzheimer
    Antonio Joaquim dos Santos, 92, que cuida da mulher, de 86 anos, que sofre da doença de Alzheimer

    Não é fácil, às vezes acho que não vou aguentar. Mas Deus dá força e paciência e a gente vai levando. O que mais cansa é a repetição. Ela pergunta a mesma coisa umas 50 vezes.

    Eu respondo, respondo, mas chega uma hora que eu me calo, perco a paciência. Aí ela fica brava, diz que estou fazendo pouco caso dela. Também fica fiscalizando tudo. Se eu estou no fogão preparando alguma coisa, ela logo acha que a panela está torta, que a comida vai queimar, que o leite vai derramar. Costuma falar: "tá mal feito, vocês são todos marreteiros".

    Há um mês, ela sofreu um derrame. Era um domingo à tarde, fui tomar banho e ela ficou com meu filho e minha nora. Foi quando escutei o grito. Ela tinha caído e, quando vi, já estava entortando a mão e a perna direita. Levamos para o hospital e ela ficou dois dias internada. Agora está com dificuldade para falar e para se movimentar. Estamos esperando uma vaga para começar a fisioterapia.

    Tenho problema de audição, mas com os aparelhinhos agora ouço bem. Tenho também muita dor na coluna, mesmo com remédio não passa. Enxergo pouco, preciso operar a catarata.
    Desde que ela sofreu o derrame, ando muito preocupado. Nem consegui mais fazer minhas caminhadas. Antes, andava dois dias por semana.

    Trabalhei como pedreiro até os 75 anos, mas depois fui desanimando com as coisas. Tenho um filho alcoólatra e me preocupo muito com ele. Está perdido na vida, não trabalha, os filhos não querem saber dele. É duro, às vezes fico mais preocupado com ele do que com a minha mulher. Mas, de uma forma geral, ainda sou otimista, acho que as coisas podem melhorar, gosto de estar vivo, não penso na morte, não.

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