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    Ganhador do Pulitzer deste ano faz alerta para a poluição industrial

    RODOLFO LUCENA
    DE SÃO PAULO

    31/05/2014 02h00

    Michael Gillick tinha três meses de vida quando foi diagnosticado com câncer. Suas chances de passar os seis meses de vida eram de 50%; e era quase certo que não completaria um ano, disseram os médicos aos pais do menino.

    Mas ele sobreviveu e, na via-crúcis nos hospitais e centros de tratamento, sua mãe descobriu que o caso do menino não era o único nas redondezas. Vizinhos de quarto, colegas de hospital, muitos vinham da mesma comunidade.

    Eram todos de Toms River, uma cidadezinha da costa de New Jersey. De 1979, quando nasceu Michael, até o ano 2000, pelo menos 16 crianças da comunidade morreram de câncer. O número de crianças diagnosticadas com câncer entre 1979 e 1995 -90-era 74% superior ao esperado no município de 85 mil residentes.

    Alguma coisa estava errada. Muito errada. Com detalhes dramáticos, "Toms River: A Story of Science and Salvation" investiga a chegada do câncer à cidade e sua vinculação à poluição provocada por uma indústria química que lá começou a operar em 1952.

    Mais que uma história de ciência e salvação, o livro do jornalista Dan Fagin, vencedor do Prêmio Pulitzer de não ficção neste ano, é um grito de alerta acerca dos riscos a que estamos todos submetidos se não houver regulamentação e controle sobre os dejetos industriais.

    Quando começou a operar, a fábrica da Ciba tinha capacidade de produção de cerca de 2 milhões de quilos de anilina por ano. E gerava quase cinco vezes mais lixo tóxico sólido. Seus dejetos líquidos eram despejados no rio, também usado como fonte de água para a cidade: em 1970, a vazão da empresa era da ordem de 15 milhões de litros por dia.

    Os trabalhadores sofreram com isso, a produção local de alimentos também, e a população acabou vítima da indústria que, nos anos 1950, via como o caminho da cidade rumo ao progresso. Desde 1979, há 109 casos confirmados de câncer em crianças; a taxa de câncer no sistema nervoso central é sete vezes maior do que a média nos EUA, a o índice de leucemia é cinco vezes maior, segundo informa Linda Gillick, a mãe de Michael, que se tornou uma ativista da causa anticâncer (http://trteach.org/stories/gillick/linda.html).

    "Há sólida evidência de que a exposição a produtos tóxicos é uma causa importante de doenças crônicas, e têm ocorrido outros focos em outros pontos do país", diz Dan Fagin, 51, nesta entrevista à Folha, realizada por e-mail.

    FOLHA - O que fez com que o senhor se interesse por escrever a história de Toms River?

    DAN FAGIN - Há muitos anos venho escrevendo sobre o desafio de entender a relação entre contaminação ambiental e doenças crônicas, como o câncer. Eu fui atraído pelo assunto não apenas porque é importante, mas também porque é fascinante. Uma investigação epidemiológica é como uma história de mistério. Quando fiquei sabendo o que estava acontecendo em Toms River, um lugar onde tinha acontecido numa terrível tragédia, mas também heroísmo e bom trabalho científico, pensei que a história poderia dar um bom livro, um livro que pudesse ajudar o grande público a entender melhor essas importantes questões. Eu queria usar os eventos específicos ocorridos em Toms River para contar uma história mais ampla, sobre poluição e doença no mundo.

    Quem o senhor considera o principal culpado pelo drama vivido pela população de Toms River?

    Há muitos culpados. Por décadas, a empresa química, o Estado e governos locais, a companhia de águas e muitos dos cidadãos de Toms River deixaram de enfrentar a realidade, de reconhecer o problema que estava acontecendo na cidade.

    Em seu livro, o senhor coloca uma questão: ´O que foi que aconteceu em Toms River de verdade? O foco de câncer infantil ocorrido lá foi uma miragem, uma aberração ou um aviso?`Qual é a sua resposta?

    Acredito que foi um aviso. Há sólida evidência de que a exposição a produtos tóxicos é uma causa importante de doenças crônicas, e têm ocorrido outros focos em outros pontos do país, ainda que em geral a gente não se dê conta. Também acredito que identificar e estudar focos de doenças crônicas pode ser um importante meio de melhorar a saúde pública, se a investigação for profunda e adequada.

    Pelo que o senhor sabe, há risco de outras cidades dos EUA viverem drama semelhante ao de Toms River?

    Essa é uma questão que não pode ser respondida com certeza, mas nós sabemos que há muitos focos de doenças, a maioria deles não completamente investigada. Também sabemos que, nos raros casos em que são investigados, é muito difícil ter um resultado claro. É muito desafiador determinar se um determinado foco de doença ocorreu por acaso ou tem uma causa específica, e mais problemático ainda estabelecer qual seria essa causa.

    Quais são os novos riscos da produção industrial? Ambientalistas vêm fazendo avisos contra a extração de gás de xisto...

    Sim, acredito que há muitas razões para que fiquemos preocupados com a rápida expansão da exploração do gás de xisto. Sua extração e armazenamento não são bem regulados aqui nos Estados Unidos e em outros países. Eu reconheço que, de modo geral, o uso de gás é melhor do que o do carvão e talvez também melhor do que o uso do petróleo em termos de sua contribuição geral para a mudança climática e a poluição ambiental.

    Se tivéssemos um plano global para a transição de um sistema de energia descarbonizado então talvez fizesse sentido uma exploração agressiva do gás de xisto como uma ponte na direção do uso de energia solar, eólica e biocombustíveis.

    Infelizmente, não estamos investindo pesadamente em energia limpa; ao contrário, estamos usando esse inesperado tesouro de gás de xisto como uma forma de adiar o inevitável abandono, do futuro, de combustíveis fósseis.

    Ken Spencer/Divulgação
    Dan Fagin, ganhador do Pulitzer de não ficção de 2014
    Dan Fagin, ganhador do Pulitzer de não ficção de 2014

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