A raiz de um arbusto que cresce no oeste da África tem sido usada no tratamento de dependentes químicos em clínicas brasileiras, ainda que, até agora, faltem pesquisas que deem respaldo a essa prática.
Para acessar os efeitos terapêuticos da ibogaína –princípio ativo extraído da planta Tabernanthe iboga, ou simplesmente iboga– a Universidade Federal de São Paulo acaba de concluir o primeiro estudo do mundo realizado com dependentes de crack e de cocaína.
Seus resultados, publicados no britânico "Journal of Psychopharmacology", serão divulgados no Global Addiction Conference, encontro internacional de especialistas em dependência química que acontece de 10 a 12 de novembro no Rio.
O estudo avaliou o uso da ibogaína no tratamento de 75 usuários (67 homens e oito mulheres) de drogas diversas –crack, cocaína, álcool e tabaco. A eles foi ministrada ibogaína em sua forma pura, o hidrocloreto de ibogaína (HCL1), importado do Canadá.
Os cientistas relatam que 100% das mulheres e 57% dos homens mantiveram a abstinência por quase um ano após o uso de, em média, duas doses de ibogaína.
Karime Xavier/Folhapress | ||
A cantora Clarice Seabra, 55, superou o vício em crack após terapia que utilizou a ibogaína |
Na literatura científica, um tratamento que alcance dois meses de abstinência é considerado bem-sucedido.
"É por isso que os resultados com a iboga chamaram tanto a nossa atenção", diz o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do estudo. Sob o efeito da iboga, pacientes relatam rever a vida como um filme. "É como se tivessem feito psicoterapia intensiva."
Uma hipótese é que a ibogaína, um alucinógeno, atue sobre o sistema de recompensa do cérebro, que tem sua atividade aumentada sob o efeito de drogas como cocaína e crack.
"Ela parece ser capaz de 'reiniciar' esse sistema, como a gente faz quando reformata o disco rígido de um computador", diz Xavier.
Ainda que os resultados do estudo sejam positivos, a ibogaína só pode ser considerada como tratamento após um trabalho controlado, no qual um grupo recebe a substância e outro, placebo. O psiquiatra não aconselha o uso da substância.
Gustavo Epifanio/Folhapress | ||
Creusa dos Santos, 53, tentou, sem sucesso, tratar as filhas, dependentes químicas, com ibogaína |
SUBCULTURA
Mesmo tendo efeitos desconhecidos e podendo ser até fatal sem acompanhamento médico, o uso da iboga tem se disseminado em clínicas para dependentes.
Em São Paulo e no interior, o tratamento custa de R$ 5.000 a R$ 8.000.
O período de internação varia de cinco dias a dois meses. Algumas clínicas oferecem tratamento psicológico e dizem avaliar as condições de saúde do paciente antes da terapia.
Leia aqui depoimento de cantora que se livrou de crack depois da ibogaína e também de mãe que viu a filha voltar às drogas no mesmo dia que chegou da clínica.
Em uma das clínicas contatadas pela Folha, a substância usada é extraída em um laboratório. Em outra, é usado chá de raiz importada do Gabão.
Rogério Moreira de Souza, do Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas, em Paulínia (SP), diz importar de um laboratório europeu a ibogaína que ministra há oito anos.
Para ele, a disseminação da iboga traz riscos. "Tem gente fazendo tratamento com substância de baixa qualidade, o que compromete o resultado", diz.
A literatura médica registra 3.000 casos de uso de iboga. Seu efeito contra a dependência foi relatado pela primeira vez em 1962, quando o norte-americano Howard Lotsof, um viciado em opioides, registrou experiência benéfica com a planta. Há, no entanto, relatos de dezenas de mortes, principalmente porque a droga, em alta dosagem, provoca alterações cardíacas.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária informa que não há medicamento registrado no Brasil com a ibogaína, e, por isso, alegações terapêuticas a esse produto são ilegais.
Mas a substância não está na lista de compostos proibidos e pode ser importada para uso pessoal.