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    Minha História

    Paciente que já dormiu até dirigindo moto conta como é ter narcolepsia

    GABRIELA MALTA
    DE SÃO PAULO

    07/04/2015 02h05

    O motoboy Diego Teixeira, 32, sofre de narcolepsia e apneia do sono, transtornos de origem desconhecida que fazem com ele chegue a despertar mais de 600 vezes por noite e sinta um imenso sono durante o dia –chegou a ser demitido por dormir no trabalho.

    Após não se acostumar com o tratamento medicamentoso com Ritalina, ele passou a utilizar um aparelho que facilita a respiração durante a noite para tentar dormir melhor.

    Leia abaixo o seu depoimento.

    *

    Meu apelido é Soneca. Mas nem todo mundo sabe que eu tenho um problema de saúde, embora às vezes quem é de fora seja até mais compreensivo do que a família, os amigos e até os médicos.

    Em uma festa de Réveillon, dormi na piscina. Estava com os braços apoiados na borda e dormi ali. Não sei quanto tempo dormi, mas acordei com as risadas das pessoas.

    É uma doença que interfere na sua vida pessoal. Não posso, por exemplo, pegar um ônibus e levar meu filho para dar uma volta no Parque do Ibirapuera em um final de semana. Eu sei que vou dormir no ônibus a caminho de lá, se a gente for parar para comer um lanche eu vou dormir durante o almoço também.

    Estou aqui falando da doença mas nem sei direito do que se trata. Nenhum médico bateu o martelo: tenho narcolepsia e apneia do sono, mas ninguém sabe dizer exatamente qual é a causa.

    O fato é que, se me deixarem, eu posso dormir por semanas e semanas e ainda vou sentir sono. Acabei de voltar de férias, descansei bastante, dormi muito e continuo querendo dormir do mesmo jeito.

    Marlene Bergamo/Folhapress
    Diego Teixeira, 32, com seu dois filhos na sua casa
    Diego Teixeira, 32, com seu dois filhos na sua casa

    Além disso, os ataques de sono são incontroláveis e não têm hora para aparecer. Mas depois do almoço, por exemplo, é insuportável. Preciso cochilar um pouco. Se estou em um lugar que não vou poder cochilar depois do almoço, nem paro para almoçar porque sei que depois não vou aguentar.

    Esses cochilos não duram muito. Geralmente 15 minutos já são o suficiente para me mentar acordado pelas próximas duas ou três horas. Mas, quando o sono vem, eu preciso parar o que estiver fazendo e ir dormir. Já dormi em piscina, dirigido a moto, levando meu filho para encontrar a mãe.

    Uma vez estava indo para Itapevi, de moto, e quando eu vi estava perto de um posto de gasolina em Cotia. Tinha andado um espaço grande dormindo em cima da moto. A sorte é que estava perto do posto de gasolina, então pude parar e cochilar um pouco.

    A quantidade de para-choques de carro que já tive que pagar por causa disso... Às vezes eu bato a moto e nem conto para minha esposa. Carro, por exemplo, eu não posso nem sonhar em dirigir.

    COMEÇO

    Os problemas começaram há uns sete anos. Na época eu trabalhava com produção de shows, mas também trabalhava na bilheteria e no evento, à noite. Em algumas semanas, de quinta a domingo, eu trabalhava de dia, no escritório, depois no show. Ficava acordado das 7 da manhã até as 7 da manhã do outro dia. Então ia para casa, dormia duas horas e voltava para o escritório.

    Foi aí que começou, eu dormia durante o expediente, na frente do computador. Acabei sendo demitido.

    A necessidade de dormir só foi aumentando e as pessoas começaram a estranhar: "nossa, Diego, mas você só dorme!".

    Fui procurar tratamento. Alguns médicos dizem que pode ter relação com esse período, outros dizem que pode ser hereditário. Ninguém sabe.

    Minha apneia do sono é grave. Pelos laudos do Instituto do Sono, eu chego a despertar 682 vezes por noite. Por causa disso nunca sei bem por quantas horas eu dormi.

    Mas tento levar uma vida normal. Vou deitar por volta das 23h de noite e acordo bem às 6h da manhã. Mas logo começa. Se depois do café da manhã eu sento um pouco no sofá, já começo a cochilar. Se estou conversando e a conversa pausa um pouco, cochilo.

    O tratamento interfere bastante na vida pessoal também. Por indicação médica, comecei a tomar Ritalina. Mas não achei que estivesse melhorando e parei. E, em uma vez que esqueci que estava tomando o remédio e acabei ingerindo bebida alcoólica, comecei a ter alucinações.

    O que parece estar me ajudando um pouco é o CPAP [uma máquina que produz um fluxo ar para as vias aéreas que impede as pausas respiratórias durante o sono]. É meio esquisito dormir com aquilo, mas parece que quando uso, consigo controlar melhor meu dia, trabalhar mais.

    Atualmente sou motoboy, por que é uma profissão em que consigo administrar algumas pausas durante o expediente. Meus amigos já me disseram que Deus deve ter algum plano para mim. Porque eu já dormi em cima da moto, acordei dirigindo na Marginal e nada sério aconteceu. Vai ver existe algum plano, mesmo.

    Sei que pode ser perigoso dirigir uma moto tendo a minha doença, mas preciso ter algum trabalho para poder criar meus filhos. Se eu parar de trabalhar, vai começar a faltar para eles. E isso eu não vou deixar acontecer.

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