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    Minha História

    Bebê é gerada para doar medula para a irmã mais velha

    PAULA SPERB
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CAXIAS DO SUL (RS)

    12/04/2015 01h46

    Arquivo pessoal
    Ana, 6, que recebeu um transaplante de medula proveniente da irmã Antônia,1
    Ana, 6, que recebeu um transaplante de medula da irmã Antônia,1, que foi gerada para salvá-la

    Sem encontrar um doador de medula compatível com a filha doente, a professora Gerciani Cunha da Costa, 39, de Gravataí (região metropolitana de Porto Alegre), decidiu fazer uma fertilização in vitro com um embrião compatível e geneticamente selecionado. Antônia, 1, nasceu em 2013 para salvar Ana Luiza, 6, que recebeu a medula da irmã em outubro passado. Com medula nova, Ana Luiza se recupera da aplasia que foi descoberta no dia de seu aniversário de três anos, em 2011. Veja depoimento dado à Folha:

    *

    Descobrimos a doença da Ana Luiza numa consulta de rotina. Era aniversário de três anos dela, em 26 de setembro de 2011. A doutora notou uns hematomas. A Ana estava sempre muito bem, nunca tinha nem dor de garganta.

    "Vamos pedir um hemograma", disse. A médica suspeitou de leucemia, mas não era. Só conseguimos o diagnóstico 44 dias depois, no quarto exame. Era aplasia, quando a medula para de funcionar e fabricar sangue.

    De repente, tudo mudou. Ela recebia sangue e plaquetas direto. O sangue durava uns 20 dias, as plaquetas menos. Foram três anos assim.

    A Ana chegou a fazer um tratamento para a medula voltar a trabalhar, mas não adiantou. Usava máscara, não podia pegar nada sujo, não podia comer qualquer coisa. Qualquer germezinho poderia ser fatal, se tinha uma febre precisava internar para evitar a morte. A Ana dizia: "Mas é bom lá [no hospital], né? A comidinha é tão boa". Ela nunca lamentou.

    As primeiras coisas que fizemos foram os testes de compatibilidade de medula para doar, mas nem eu nem meu marido éramos compatíveis. O irmão também não.

    O tempo ia passando e a gente ia vendo muitas crianças morrendo no hospital por leucemia. Muitas mesmo.

    Em fevereiro de 2012, vi na TV do hospital o nascimento do primeiro bebê da América Latina geneticamente selecionado para salvar a irmã.

    Consegui contato com o médico do caso, de São Paulo, que me encaminhou para a clínica do doutor Nilo Frantz, em Porto Alegre. O médico se comoveu com a história. "Tu estás conseguindo um aliado", ele me disse.

    Tomei muito hormônio para fazer a fertilização in vitro, eu mesma aplicava a injeção em mim. A diferença para uma fertilização normal é que o embrião foi selecionado para ser compatível com a Ana.

    Meu tratamento total custou R$ 70 mil. Tudo o que o médico podia fazer de mais barato pra mim ele fez. E todo o tratamento foi pago pelo SUS.

    Na primeira coleta, tive muitos óvulos, mas só dez viraram embriões e nenhum deles era compatível. O médico chegou a chorar. A chance era de um a cada quatro.

    Tentei de novo quinze dias depois. A gente corria contra o tempo, a Ana corria risco de vida. Na segunda vez, só cinco viraram embriões. Tinha dois compatíveis! Fiz a transferência [para o útero] no mesmo dia. Eram menores que a cabeça de um alfinete.

    A gente queria fazer a coleta do sangue do cordão umbilical para o transplante das células-tronco. Mas com 31 semanas [de gestação] tive pré-eclampsia [hipertensão arterial específica da gravidez] e fui internada. Com 33 semanas, piorei, e aí o risco de morte era meu. Tivemos que fazer a cirurgia às pressas em 25 de junho de 2013.

    A Antônia nasceu pequena, com 1,7 kg, e não deu para pegar as células do cordão. A expectativa então era coletar as células-tronco da medula quando ela tivesse 10 kg.

    A coleta da medula da Antônia foi feita duas vezes. Ela doou e ficou superbem, não ficou com anemia. Tem tanta gente que tem medo de doar"¦ Vinte dias depois do transplante, soubemos que a medula "pegou", ou seja, passou a produzir suas células de maneira saudável.

    Agora, a Ana tem dois aniversários: 26 de setembro e 29 de agosto, dia do transplante.

    Até ela conseguir criar anticorpos demora um ano. Ela quer que esse dia chegue logo para poder ir à escola.

    Em setembro vamos fechar quatro anos dessa luta. Nem acredito que conseguimos passar por isso.

    Temos muito cuidado. Eu carrego álcool gel na bolsa, a Ana na mochilinha, em casa tem em tudo quanto é canto.

    Agora a Antônia está com um ano e nove meses e aprendeu a chamar a irmã. Elas são muito próximas. É uma vida normal, mas dentro de casa.

    A Ana está começando a ler. Ela queria muito aprender, para ler as mensagens de apoio que recebeu no Facebook, e eu fui ensinando no hospital.

    Fiz magistério, matemática e especialização em psicopedagogia, mas nada é mais gratificante que alfabetizar a própria filha. Na verdade, ela me ensina muito mais do que eu posso ensinar a ela.

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