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    Imunoterapia é a nova arma contra o câncer, mas drogas custam R$ 90 mil

    RICARDO MIOTO
    ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO

    04/06/2015 02h05

    É no tratamento de câncer que as farmacêuticas concentram seus esforços. O problema: os preços dos medicamentos estão se tornando inacreditavelmente altos.

    Veja o caso da droga Yervoy, da americana Bristol-Myers Squibb, aprovado pela Anvisa em 2012. Eficiente contra o melanoma, um tipo grave de câncer de pele, o medicamento é pioneiro na área que é a atual menina dos olhos dos pesquisadores de câncer: a imuno-oncologia, que tenta utilizar o fortalecimento do próprio sistema imunológico do paciente para combater o tumor.

    Uma única injeção custa US$ 30 mil (cerca de R$ 90 mil). Como o tratamento tem quatro doses, o custo total é de US$ 120 mil (R$ 360 mil).

    Tais preços têm se tornado mais comuns conforme a oncologia caminha para o desenvolvimento de medicamentos que permitem que a quimioterapia seja substituída por ataques mais diretos ao tumor, resultando em tratamentos menos agressivos.

    Todas as grandes farmacêuticas estão nesse jogo. A última estimativa da consultoria IMS Health apontava mais de 500 medicamentos contra o câncer em processo de desenvolvimento –nada menos do que cinco vezes o segundo lugar, que é dos remédios para diabetes.

    No mercado americano, a imuno-oncologia já tem outros dois produtos: o Keytruda, da MSD, e o Opdivo, da Bristol-Myers Squibb, os dois também contra o melanoma e aprovados há poucos meses. A expectativa da indústria é conseguir expandir o uso dessa linha de drogas para outros tipos de câncer.

    No encontro anual da Asco, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica, que aconteceu nesta semana em Chicago, pesquisadores mostraram que o Opdivo também é útil contra o câncer de pulmão: pacientes que receberam a droga sobreviveram em média 12,2 meses, contra 9,4 meses entre os tratados com quimioterapia. São menos de três meses a mais, mas os pesquisadores ressaltaram que os efeitos colaterais também foram muito menores.

    Um sonho de consumo das empresas hoje é fazer patentes ligadas às proteínas PD-1 e PD-L1. Acredita-se que, no corpo humano, elas debilitem o sistema imune, que não consegue atacar o câncer. No congresso, mais de 450 trabalhos envolvendo tentativas de desativar essas proteínas foram apresentados.

    Em diferentes estágios, apresentaram estudos nessa linha na Asco de 2015 Roche, Novartis, Merck, Bristol-Myers Squibb e AstraZeneca, entre outras. Os produtos que eventualmente saírem daí tendem a custar milhares de dólares a unidade.

    MAIS CARO QUE OURO

    A questão foi abordada em uma sessão do encontro da Asco. O médico Leonard Saltz, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, questionou o fato de o miligrama das novas drogas ser "mais caro que ouro".

    "Isso é insustentável. Os preços dos medicamentos não estão ligados ao valor deles em si, mas ao que os departamentos de vendas acreditam que o mercado vai suportar", afirmou Saltz. Ele calculou que, a esses preços, tratar os pacientes com estágios avançados de câncer nos EUA custaria US$ 174 bilhões por ano (mais de R$ 500 bilhões). Em comparação, o orçamento do Ministério da Saúde brasileiro para 2015 é da ordem de R$ 90 bilhões.

    É difícil calcular o "preço justo" de um medicamento. Em 2014, o Yervoy rendeu US$ 1,3 bilhão à Bristol-Myers Squibb no mundo inteiro. No mesmo ano, a companhia gastou US$ 4,5 bilhões com pesquisa e desenvolvimento. O faturamento total da empresa foi US$ 15,9 bilhões.

    A indústria alega ainda que só uma pequena fatia dos potenciais medicamentos pesquisados de fato se transforma em um produto comercialmente viável –ou seja, o preço dos remédios que deram certo também serve para bancar os que tiveram de ficar pelo caminho.

    "Como a oncologia está cada vez mais segmentada, há um cenário de produtos para poucos pacientes e com patentes curtas. As drogas ficam extremamente caras", diz Evanius Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. "A questão é quem pagará a conta. É importante perceber que as farmacêuticas sempre se mostraram abertas para sentar com os governos e negociar."

    É ainda uma pergunta em aberto como sistemas públicos de saúde e convênios vão absorver tais medicamentos de alto custo –o envelhecimento da população e o aumento de casos de câncer devem complicar o cenário.

    Os especialistas apontam que, no Brasil, há grande risco de haver a judicialização da questão –ou seja, quem tem acesso à Justiça, em geral os mais ricos e instruídos, abrirá processos para que o governo forneça a droga.

    "A judicialização da imuno-oncologia vai acontecer. Como os recursos públicos são limitados, isso terá de sair de algum lugar", diz o oncologista Fernando Maluf.

    O jornalista viajou a convite da Merck

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