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    Médico dos EUA defende mais contato físico e atenção ao paciente

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    01/07/2015 02h03

    Os médicos estão perdendo mais tempo com o paciente virtual, aquele que consta nos registros eletrônicos, do que com os reais, que estão nas camas dos hospitais.

    É o que pensa o médico Abraham Verghese, 60, professor de teoria e prática de medicina na Universidade Stanford e autor de três livros best-sellers que tratam de humanismo na medicina: "My Own Country" (Meu próprio país, em tradução livre), "The Tennis Partner" (O parceiro de tênis) e "Cutting for Ston" ("O Décimo Primeiro Mandamento", editado no Brasil pela Companhia das Letras).

    O médico cunhou o termo "iPatient" para definir esse paciente virtual. "Mas hoje parece que o paciente no leito só existe para justificar o que está no computador."

    Michael Gottschalk/AFP
    O professor de medicina da Universidade Stanford (EUA) e escritor Abraham Verghese, 60, em Frankfurt
    O professor de medicina da Universidade Stanford (EUA) e escritor Abraham Verghese, 60, em Frankfurt

    Nascido na Etiópia e formado em medicina na Índia, Verghese é fã das novas tecnologias –como uma máquina de ultrassom de bolso–, mas defende mais contato físico e atenção ao paciente.

    "Nesta era de biomarcadores e outros testes, nós esquecemos o valor do exame físico", disse ele à Folha, durante conferência a jornalistas de saúde, que aconteceu em Santa Clara, na Califórnia.

    *

    DIAGNÓSTICO

    A tecnologia na medicina é uma coisa maravilhosa, dá um detalhamento incrível do corpo humano. Mas hoje parece que o paciente só existe no leito para justificar o que está no computador, que eu chamo de "iPatient".
    O que eu quero dizer é que estamos olhando para o corpo quase como incidentalmente. Em muitos casos é por uma boa razão, porque a mamografia pode ver mais claramente do que a mão humana.

    No entanto, há coisas que só a mão humana pode fazer, como ver se há dor em um local em particular. Não há máquina no mundo que possa fazer um reflexo do joelho e transmitir a informação de um reflexo do tendão.

    Nesta era de biomarcadores e outros testes, nós esquecemos o valor do exame físico.

    TESTES

    Estamos todos propensos a permitir que a tecnologia tome o lugar do senso comum. Os testes se tornaram um atalho fácil. Eles são uma maneira eficiente e rápida para obter informações. Eu brinco que se um paciente entrar no hospital com um membro ausente, os médicos não serão capazes de confirmar o diagnóstico sem antes fazer vários exames.

    Duvido que os médicos consigam realmente se conectar com os pacientes quando não os examinam. O exame físico, feito com cuidado, é uma maneira maravilhosa de transmitir a sua atenção ao doente.

    Mais do que isso. Minha tendência é que achar que se você fizer as coisas bem feitas na cabeceira, você vai pedir exames criteriosamente, com base em bons palpites. Você será mais eficiente para o paciente e para o sistema de saúde, em termos de custos.

    FORMAÇÃO MÉDICA

    O exame físico foi uma parte muito importante do meu treinamento médico. No final do curso de medicina, não importava o quão bom você era na parte cognitiva, você tinha que analisar um caso clínico na frente dos examinadores.

    O corpo tem sua própria história, mas, com tanto foco na tecnologia, os futuros médicos podem não saber como lê-la. A chave para ser um bom médico é entender a doença sob a perspectiva do paciente.

    Às vezes é difícil. Como pedir a um estudante de medicina com 27 anos que imagine o sofrimento de alguém de 50 anos morrendo de um câncer incurável? Temos que tentar fazer com que ele se envolva com o paciente, enxergue a sua vulnerabilidade. Mas é um longo caminho.

    CURA

    Como médico na zona rural do Tennessee, na década de 1980, eu cuidava de muitos pacientes com HIV/Aids. Na época, não havia nada para impedir o progresso da doença. Um dia a mãe de um paciente chegou à clínica pedindo que eu fosse ver o filho, à beira da morte. Fui até lá, examinei-o, disse que não o abandonaria. Logo depois, ele morreu. Mas a minha visita teve um profundo efeito sobre ele e a família.

    Era isso que os médicos faziam antes dos antibióticos, das salas de cirurgia estéreis e dos dispositivos médicos eletrônicos em abundância. Eles eram capazes de dar conforto, mesmo quando não havia chance de cura. Esse é um poder da relação médico-paciente que os médicos nunca devem esquecer.

    A medicina mudou muito, mas o papel fundamental do médico, a necessidade de sua presença, não muda. A cura é louvável, mas não é algo que que conseguirmos sempre. Confortar o paciente é algo que sempre podemos fazer.

    SOFRIMENTO

    Não tenho certeza que há muita nobreza no sofrimento. Algumas culturas são mais resignadas, entendem que seja parte da condição humana e talvez até o aceitem.

    Em outros lugares, como nos EUA, há a expectativa de que a medicina sempre irá curar. As pessoas não querem a dor. Resistir a ela e ter vontade de viver, às vezes, ajuda na cura. Muitas vezes, porém, só resulta em gastos excessivos e muito sofrimento no fim da vida.

    *

    RAIO-X

    NASCIMENTO

    Etiópia, em 1955

    Ocupação

    Médico e professor de teoria e prática de medicina na Universidade Stanford (EUA)

    Formação

    Medicina no Madras Medical College, na Índia

    Trajetória

    Fez residência nos EUA. Trabalhou no Hospital da Cidade de Boston e foi professor no Tech Health Sciences Center no Texas. Em 2002, fundou o Centro para a Medicina Humanitária e Ética

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