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    Associações de pacientes não recomendam uso da 'pílula do câncer'

    SABINE RIGHETTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO
    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    14/04/2016 18h38

    A sanção presidencial da lei que, entre outras coisas, autoriza o uso da fosfoetanolamina, droga que ficou conhecida como "pílula do câncer", gerou dúvidas e reações de associações de pacientes, profissionais da saúde e hospitais.

    O movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC) divulgou uma nota direcionada aos pacientes interessados na substância. Nela, defendem que é preciso se informar antes de fazer uso da fosfoetanolamina, a "pílula do câncer". O grupo é composto por mais de 50 entidades.

    Uma das questões abordadas –talvez a mais comum– é: "Devo tomar a fosfo?". A resposta é que hoje há diversas opções para o tratamento do câncer, que já passaram por estudos clínicos e que recorrer à pílula do câncer pode não ser a melhor ideia neste momento, já que a droga ainda não foi bem estudada.

    Remédio anticâncer

    O documento ainda recomenda que o paciente "converse com o seu médico e esgote as possibilidades de utilização de terapias disponíveis para o seu caso."

    Outra reação, do Instituto Oncoguia, elenca uma série de perguntas ainda sem respostas. Uma delas é: para quem é entregue o termo de responsabilidade? Outra: Onde a droga será entregue ou vendida? Quem vai fabricar?

    "A Anvisa vai ter que regular algo a que ela se opõe. A gente quer acreditar que pode ser uma esperança, mas precisamos de provas de que funciona, de segurança, de que estudos clínicos sejam feitos", lamenta a presidente do instituto, Luciana Holtz.

    Recorrer à "fosfo" pode gerar grande prejuízo para pacientes em tratamento de câncer. "Do agendamento de uma mamografia até o início de um tratamento, pode demorar quase um ano. Se a paciente resolve usar a droga e depois piora e desiste, ela tem que voltar para o começo da fila."

    "São coisas complicadas para o paciente com câncer. Ele está geralmente muito envolvido e cheio de dúvidas na cabeça. Não dá tempo de entender tudo. Esse inclusive é nosso papel, fazer com que o processo seja menos burocrático para que haja acesso ao melhor tratamento. No caso da 'fosfo', é trocar o certo pelo incerto."

    INFORMAÇÃO

    Para Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), que faz parte do TJCC, no entanto, a ideia não é se posicionar contra ou a favor ao uso da substância. A proposta é informar os pacientes.

    "A gente defende que há muitas formas de tratamento comprovadas, que é preciso sempre conversar com profissionais da saúde sobre o tratamento", diz.

    "Para o paciente que já falhou em várias tentativas, que não tem mais respostas na ciência, então ele deve conversar com seu médico e pensar na opção da fosfo." Para ela, a fosfoetalomina seria algo suplementar para pacientes terminais como ajuda espiritual, acupuntura ou até mesmo homeopatia.

    O documento esclarece ainda que "não se sabe ao certo qual a maneira correta de tomar a fosfo" porque os estudados sobre a substância ainda estão em andamento.

    A ideia inicial do movimento, de acordo com Steagall, era fazer uma carta à presidente Dilma Rousseff. A conclusão, no entanto, foi que a iniciativa seria inútil. "A gente já sabia que a Dilma iria acabar sancionando por causa da atual crise política", diz. Daí a ideia de mudar o foco para os pacientes.

    "O que mais me preocupa nesta historia e que as instituições que deveriam cuidar da nossa segurança foram desacreditadas. Quando a solicitação de ritos de segurança pedidos por agencias de regulação, cientistas, médicos, acadêmicos, revistas científicas renomadas e ignorada, voltamos para as trevas. Quem vai nos defender de um charlatão? Quem vai decidir se um tratamento e seguro ou fútil? Grupos de pessoas desesperadas? ", diz Bernardo Garicochea, chefe de pesquisa clínica do Hospital Sírio-Libanês.

    O documento está disponível no site do movimento e de todas as 50 instituições que fazem parte dele também, o Hospital Sírio-Libanês, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e a Interfarma. O leitor pode ler aqui.

    Steagall disse ainda que o movimento pretende acompanhar os estudos clínicos de fosfoetanolamina com pacientes. Um deles será conduzido no hospital A.C.Camargo, referência na área de oncologia.

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    Perguntas e respostas

    Se um paciente quiser usar a fosfo, como ele deve proceder?
    Segundo a lei, somente agentes autorizados e licenciados por autoridades sanitárias podem fazer essa distribuição. Até o momento, não há informações sobre quais estabelecimentos devem fornecer o produto.

    A lei não diz que é necessário ter a prescrição de um médico. Bastam o laudo médico comprovando o câncer e o termo assinado pelo próprio paciente?
    Não. O Ministério da Saúde está formando um grupo para regular essa questão. A ideia é que a prescrição ocorra em receita em talonário numerado, usada para medicamentos controlados, que permitem o rastreamento do paciente, e que contenham justificativa para o uso.

    Pra quem ele entrega o termo de responsabilidade para obter a droga?
    Não há essa informação.

    Onde ele vai retirar a substância?
    Não há essa informação.

    Ela estará disponível no SUS? Vai estar à venda?
    Não. Segundo o Ministério da Saúde, os interessados em adquirir a fosfoetanolamina devem arcar com os custos da aquisição, já que a substância não está incorporada no SUS, o que só poderia ocorrer diante de uma comprovação de segurança e eficácia, critérios utilizado e analisado pela Conitec (comissão que avalia novas tecnologias no SUS) para tomar a decisão.

    Quem produzirá a substância?
    Ainda não há informações sobre como seria neste momento. Mas o Ministério da Ciência e Tecnologia já afirma que, futuramente, na hipótese de comprovada a segurança e eficácia com o avanço dos estudos, o governo deve buscar parcerias com empresas públicas para isso.

    Haverá uma bula?
    Não há informação. Esse é um dos pontos de preocupação de entidades contrárias à nova lei.

    Qual deve ser a dose diária para cada paciente e tipo de tumor?
    Não há estudos sobre isso. O Ministério da Ciência e Tecnologia, no entanto, já divulgou, com base no resultado dos primeiros estudos, que a pílula não seria tóxica em humanos na quantidade de 1 g por dia. Mesmo assim, a quantidade que geraria algum efeito biológico seria gigantesca, de acordo com os mesmos estudos

    Tem interação com algum outro medicamento?
    Como os estudos não chegaram sequer às primeiras etapas da fase de pesquisa clínica, feita em humanos, não há informação. Esse é um dos pontos de preocupação de entidades contrárias à nova lei.

    Quem fará o controle de qualidade?
    Ainda não há uma definição sobre isso. A ideia inicial, porém, é que a fiscalização ocorra em conjunto pela Anvisa e Ministério da Saúde, que já planeja pedir balanços mensais da movimentação do produto a eventuais fornecedores

    Se o paciente passar mal ou não tiver sucesso no tratamento, com quem reclamará?
    Segundo o Ministério da Saúde, o paciente deve assinar um termo de consentimento em que assume o risco de efeitos adversos.

    Fonte: Instituto Oncoguia; Anvisa; Ministério da Saúde

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