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    Olivia Byington escreve livro sobre o filho João, que tem síndrome rara

    MARIANA VERSOLATO
    EDITORA-ADJUNTA DE "COTIDIANO"

    12/06/2016 01h51

    Olivia tinha 22 anos. Era recém-casada, estava apaixonada e aguardava ansiosamente pelo nascimento do primeiro filho no verão de 1981.

    Naquele Réveillon, tinha anotado em um caderno: "Fiz muitos pensamentos bons para o ano. Desejei profundamente ser calma, amorosa e segura para o meu filho". A nota terminava com um coraçãozinho desenhado com caneta esferográfica.

    A calma e o amor, contudo, não vieram de cara, tiveram de ser construídos, aprendidos. Quando João veio ao mundo, no dia 19 de março, para essa nova mãe só havia dor e desespero. Com os olhinhos saltados e defeitos na face e nas mãos, o bebê não era perfeito como nos sonhos gestados por ela.

    O que a cantora Olivia Byington, a mãe, não sabia ali é que muitas alegrias viriam – "e em prestações, entregues por toda a vida", como escreveu no livro recém-lançado, "O que é que ele tem".

    O título se refere à pergunta que Olivia sempre ouviu sobre o filho. Mas não só ela. O ator Gregorio Duvivier, irmão mais novo de João, escreve na orelha do livro que foi na rua que percebeu a deficiência. Até então, a única diferença era que João tomava muitos remédios e às vezes passava por cirurgias. Foi só a partir dessa pergunta que ele então perguntou à mãe o que é que João tinha. E aí aprendeu o que responder: síndrome de Apert (saiba mais abaixo).

    Na obra estão a história de João, 35 –que também é filho do cineasta Miguel Faria Jr.–, mas também da própria Olivia, 57. Sua infância, a descoberta da vocação na música, os amores, as vitórias e também as culpas, expectativas e frustrações, descritas de maneira crua e corajosa. Quando conta a história de João, a cantora não faz um relato romantizado. Não se trata de um texto sobre superação ou autopiedade, mas sobre o amor pela diferença.

    "É um relato sincero da história de uma pessoa bem-sucedida que foi muito apoiada pela família. Pode servir de apoio para quem vive com alguém que esteja fora do esperado, seja qual for a deficiência. Bastam compreensão, paciência, muito amor e generosidade", disse à Folha, por telefone.

    Escrever a obra, porém, não foi fácil, e incluiu sacar "do fundo do coração sentimentos que nem sempre são bons".

    "Revisitei situações que não estavam tão à flor da pele", diz ela. Cadernos e agendas que estavam guardados foram relidos para reconstruir a memória – "a verdadeira, não a poética e fantasiosa que a gente pinta". E isso incluiu relembrar decisões que hoje ela julga incorretas, como algumas cirurgias a que João se submeteu e deixaram sequelas. Ao todo, foram cerca de 20 operações.

    "Muitas vezes tive que rever aquilo, como fui me envolvendo em conversas de médicos, pressas e agonias. Coisas que depois seriam tão ruins pra ele. Foi duro. Mas o João é uma pessoa positiva e está muito bem. Ele mesmo me ajuda nessa sublimação."

    Na época em que João nasceu, as informações sobre a síndrome eram raras. Tudo foi feito na base da tentativa e do erro. Hoje, páginas no Facebook, grupos no WhatsApp e a própria evolução do tratamento ajudam muito os pais que têm filhos com Apert hoje.

    Ao longo do livro, vamos conhecendo João: um sujeito bem-humorado e amoroso que se preocupa com as pessoas e não esquece suas aflições, que adora veículos e sabe de cor as linhas de ônibus do Rio, que anda de bicicleta por toda a cidade, que se diverte horrores com "Chaves" e sempre gostou de se relacionar com pessoas simples, que está sempre usando o Facebook, que namora a Ana Clara, também com Apert, e que quer um emprego.

    É nessa questão, aliás, que Olivia vê dificuldades ainda hoje. "Conto no livro de quando ele era menino e a gente não conseguia encontrar um colégio que o aceitasse. Ele andava com uma merendeira pela casa e dizia 'Vou ao colégio, vou ao colégio'. Hoje, da mesma forma, ele está pronto para trabalhar e não tem chance. Acho que essa rejeição está muito ligada ao aspecto físico. As pessoas veem horripilâncias e feiuras onde não existe", diz. "Quando as pessoas o conhecem, deixam de ver que ele tem uma síndrome e veem a pessoa. As monstruosidades no ser humano são outras. Não tenho aversão a quem tem o nariz no lugar errado ou um QI menor. Tenho aversão a uma pessoa que comete atrocidades e prega o preconceito, o desamor. É para essas pessoas que deveriam dizer 'Ai que nojo', bater a porta."

    No fim, o desejo de Olivia de ser aquela mãe segura, calma e amorosa se concretizou, ainda que o desejo do filho perfeito, como os livros descreviam, não. Até porque nenhum livro além desse poderia descrever João.

    *

    O QUE É QUE ELE TEM
    AUTORA Olivia Byington
    EDITORA Objetiva
    PREÇO R$ 34,90 (184 págs.)

    SAIBA MAIS SOBRE A SÍNDROME

    A síndrome de Apert é uma doença genética rara. As estatísticas variam –ela pode afetar 1 em até 200 mil nascidos. Para efeito de comparação, a síndrome de Down afeta 1 a cada mil nascidos.

    Sua principal característica é o fechamento prematuro dos ossos das mãos, dos pés (o que pode levar à fusão de dedos) e do crânio (o que pode comprimir o cérebro –cirurgias podem abrir as suturas para levar à descompressão).

    A síndrome também causa exoftalmia (olhos saltados), complicações buxo-maxilo-faciais e superprodução das glândulas sebáceas.

    O que é que Ele Tem
    Olívia Byington
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    Hoje, técnicas mais modernas poupam as crianças de algumas operações e programam outros procedimentos. Em Campinas (SP), a Sobrapar (Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial), por exemplo, oferece tratamento a pessoas carentes.

    Dependendo do estímulo, pessoas com a síndrome podem ter bons níveis de aprendizado. Segundo Olivia, há casos de indivíduos que chegam ao nível superior.

    O importante, em todos os casos, é que a pessoa receba terapias de fala, coordenação e musculatura.

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