• Equilíbrio e Saúde

    Monday, 29-Apr-2024 01:39:12 -03

    Nas férias, crianças vivem desafios do acampamento sem celular

    RACHEL BOTELHO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/07/2016 02h26

    Ricardo Nogueira/Folhapress
    Ana Clara, 10, diz que gostou de passar uma semana sem celular
    Ana Clara, 10, diz que gostou de passar uma semana sem celular

    Se para crianças e adolescentes mais novos dormir fora de casa já é considerado um grande passo, de uns tempos para cá os acampamentos de férias estão proporcionando uma experiência bem mais radical: ficar dias –ou semanas– praticamente sem contato com os pais. Em outras palavras, sem o celular.

    Como no dia a dia o aparelho mantém pais e filhos sempre conectados, a separação é desafiadora para os dois lados, mas vem sendo encarada de modo positivo até pelas crianças, que deixam também de ter acesso a jogos, músicas e trocas de mensagens com os amigos.

    Não que proibir celulares seja algo exatamente novo, mas hoje a dependência desses aparelhos é bem maior, em grande parte por causa da troca de mensagens em aplicativos como o WhatsApp.

    Diego Padgurschi/Folhapress
    Beatriz Raffaelli, 11, passou um mês em um acampamento na Coreia do Sul sem celular
    Beatriz Raffaelli, 11, passou um mês em um acampamento na Coreia do Sul sem celular

    A medida visa estimular a autonomia e facilitar a socialização –afinal, não é para isso (também) que servem os acampamentos? Os estabelecimentos reconhecem, ainda, que a proibição busca evitar confusões causadas pelo acesso imediato aos pais e o uso impróprio do aparelho.

    O psicólogo Izidoro de Campos Luiz, proprietário do Acampamento dos Pumas, em Pindamonhangaba (SP), tem na ponta da língua as razões para o veto.

    "O acampamento é educacional, serve para as crianças ficarem mais independentes, criarem vínculos entre si, lidarem com a saudade, o que o celular não permite", diz.

    Segundo Luiz, com o celular em mãos as crianças pedem socorro aos pais ao menor sinal de conflito ou desconforto. "Já tivemos pai que veio de Goiânia de madrugada buscar o filho porque o menino estava rouco", diz.

    Apesar da proibição, todos os acampamentos oferecem alguma forma de contato entre pais e filhos. Em alguns deles, como o Sítio do Carroção, em Tatuí (SP), as crianças (a maioria de 9 a 12 anos) podem ligar para casa e receber telefonemas no local.

    Segundo a equipe do acampamento, que atende 800 crianças nos meses de férias, tanto os pais quanto os pequenos reagem bem à medida.

    A engenheira civil Denise Esteves, 51, e a filha Gabriela, 15, que frequenta o Carroção há oito anos, dizem que a experiência sempre foi "muito tranquila". "Acho legal ela ter o tempo dela, com atividades ao ar livre, em grupo. É muito importante sair desse mundo da tecnologia", afirma Denise.

    Gabriela concorda. "O acampamento é para fazer novas amizades, e com o celular a gente perde muitos momentos sem perceber. Quando fico sem o telefone em São Paulo eu sinto muita falta, mas lá eu nem penso nele", diz.

    A maioria dos acampamentos divulga fotos das atividades, como o CISV, que oferece estadia no exterior para crianças a partir de 11 anos de idade. A comunicação com os pais é feita por intermédio do adulto responsável pelo grupo ou por carta, mesmo método usado no Pumas.

    Em julho do ano passado, a estudante Beatriz Raffaelli, 11, passou um mês na Coreia do Sul pelo CISV, e tanto ela quanto os pais adoraram a experiência.

    "A gente tinha notícia eventualmente, via algumas fotos com um monte de criança, e foi ótimo assim. Ela ficou superbem", conta a mãe, Roberta Raffaelli, 42.

    Para Roberta, sem o celular as crianças conseguem "mergulhar" nas experiências do presente e ainda voltam cheias de novidades para dividir com a família. Beatriz não nega que algumas vezes teve vontade de telefonar ou ouvir música, mas diz que estava tão entretida que logo esquecia. "Eu sou viciada em celular. Se eu tivesse levado, ia ficar concentrada nele e perder as coisas", acredita.

    Até a ciência já mostrou que ficar longe das telas por uns dias é bom para as crianças. Um estudo publicado em 2014 no periódico "ScienceDirect" comparou 51 pré-adolescentes que passaram cinco dias em um acampamento sem acesso a celular, tablet, TV nem computador a 54 crianças da mesma série que mantiveram o uso regular de eletrônicos no período.

    Por meio de testes, a pesquisa mostrou que as crianças que ficaram desplugadas adquiriram compreensão melhor dos sinais de comunicação interpessoal do mundo real, incluindo maior capacidade de ler expressões faciais, fazer contato visual e interpretar o tom de voz.

    "O celular impede a socialização, olhar nos olhos, ouvir a voz. Isso faz parte do aprendizado com prazer, o que fortalece as memórias e as conexões cerebrais", diz a neurologista Liubiana Araújo, presidente do departamento de desenvolvimento e comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria. "A criança vai poder usar as ferramentas que adquiriu em outras situações."

    A executiva de RH Laura Rezende Ribeiro, 40, é a favor das viagens sem celular, mas admite que fez um exercício de desapego quando Ana Clara, 10, foi para o acampamento. Já a garota adorou os sete dias de "detox". "Eu conheci as pessoas e me senti livre. Aqui toda hora tem alguém mandando mensagem", diz.

    A neurologista sugere que a família converse com a criança antes da viagem, para demonstrar confiança nela e na equipe do acampamento e para dar orientações sobre como lidar com conflitos e tomar decisões.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024