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    Velhos demais para o sexo? Não nesta casa de repouso

    WINNIE HU
    DO "NEW YORK TIMES"

    14/07/2016 13h10

    James Estrin/The New York Times
    A casa de repouso Hebrew Home, de Riverdale, organiza um baile de formatura sênior
    A casa de repouso Hebrew Home, de Riverdale, organiza um baile de formatura sênior

    Quando Audrey Davison conheceu alguém especial em sua casa de repouso, queria amar o seu homem.

    Os enfermeiros e atendentes da Hebrew Home, em Riverdale, não tentaram impedi-la. Pelo contrário: ela foi autorizada a ficar no quarto do namorado de portas fechadas, sob a norma de "livre expressão sexual" adotada pela casa de repouso localizada no Bronx. Um dos atendentes chegou a escrever "não perturbe" em um cartaz que o casal podia pendurar do lado de fora de sua porta.

    "Foi divertido para mim, e ele era um ótimo amante", disse Davison, 85. "E aquilo foi parte de o quanto éramos íntimos: a proximidade física, os beijos".

    James Estrin/The New York Times
    Audrey Davison, 85
    Audrey Davison, 85

    Davison é um exemplo dos norte-americanos idosos que estão mantendo relacionamentos íntimos mesmo depois dos 70 ou 80 anos, ajudados em certos casos pelo Viagra e pelas atitudes sociais mais tolerantes quanto ao sexo fora do casamento.

    Estes amantes envelhecidos desafiam ideias tradicionais quanto a envelhecer e, em certos casos, criaram questões logísticas e legais para suas famílias, os profissionais que cuidam deles e as instituições que lhes servem de lar.

    Casas de repouso, em Nova York e em outras áreas dos Estados Unidos, vêm cada vez mais tratando abertamente da questão, como parte de uma mudança mais ampla em seu estilo de tratamento, que está deixando de ser institucional e se tornando mais pessoal, de acordo com empresas e organizações setoriais. Muitas delas já relaxaram seus regimes diários para oferecer aos moradores mais escolhas sobre, por exemplo, o horário de seus banhos e jantares. O próximo passo, para algumas, será oferecer aos moradores a opção de fazer sexo, e de prover assistência àqueles que desejem exercê-la.

    "Sexo é algo que tem posição central naquilo que somos como pessoas", disse Marguerite McLaughlin, diretora sênior de melhora de qualidade na American Health Care Association, a maior associação setorial de casas de repouso dos Estados Unidos, com quase 10 mil dessas instituições em seu quadro de sócios.

    A Hebrew Home ampliou os esforços para ajudar moradores a procurar relacionamentos. Os membros de sua equipe organizaram um happy hour e um baile de formatura sênior, e criaram um serviço de paquera, o G-Date, ou "Grandparent Date" (paquera entre avós). No momento, 40 dos cerca de 870 moradores da casa estão envolvidos em relacionamentos.

    Muitos outros estão ansiosos por encontrar um parceiro. A viúva Beverly Herzog, 88, disse que gosta de dividir a cama com alguém. O marido dela, Bernard, costumava se deitar na cama com os braços estendidos, e depois a chamava para se acomodar colada a ele. "Odeio me deitar em uma cama fria", ela disse. "Minha ideia é a de que ninguém deveria ficar sozinho".

    James Estrin/The New York Times
    Beverly Herzog, 88
    Beverly Herzog, 88

    Mas a intimidade em casas de repouso também desperta questões quanto à capacidade de certos moradores para consentir em fazer sexo. Henry Rayhons, que foi deputado estadual em Iowa, foi acusado de abuso sexual em 2014 por fazer sexo com sua mulher, que sofria de Mal de Alzheimer e estava vivendo em uma casa de repouso. O júri o considerou inocente.

    O caso ajudou a despertar a atenção para a falta de normas claras em muitas casas de repouso. Apenas algumas, como a Hebrew Home, têm normas formais quanto ao sexo entre seus moradores.

    A Dra. Cheryl Phillips, vice-presidente sênior de política pública e serviços de saúde da LeadingAge, associação setorial que representa mais de seis mil provedores de serviços sem fins lucrativos a pacientes idosos, entre os quais duas mil casas de repouso, disse que o sexo se tornaria questão mais frequente à medida que as pessoas da geração baby boom (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964) começarem a se transferir a casas de repouso.

    "Eles estão acostumados a fazer sexo - isso é parte daquilo que são - e o fato de que passarão a viver em uma casa de repouso não significa que deixarão de fazer sexo", ela disse.

    Daniel Reingold, presidente-executivo da RiverSpring Health, que administra a Hebrew Home, disse que envelhecer significava perdas: perder visão, audição, mobilidade, mesmo amigos. Mas por que abrir mão também da intimidade? "Não perdemos o prazer que o toque proporciona", ele disse. "Se a intimidade conduz a um relacionamento sexual, é necessário lidar com isso de maneira adulta".

    A casa de repouso desenvolveu normas de expressão sexual em 1995, depois que uma enfermeira flagrou dois moradores fazendo sexo. Quando ela perguntou a Reingold o que fazer, ele a instruiu: "Saia de fininho e feche a porta".

    Antes de adotar essa norma, a Hebrew Home pesquisou junto a centenas de casas de repouso, em Nova York e outros lugares, e a única coisa que descobriu foi que "a maioria delas negava que seus moradores fizessem sexo", recorda Reingold. Ele posteriormente falou sobre suas constatações em uma conferência do setor, perguntando a uma audiência de mais de 200 pessoas se havia sexo em suas casas de repouso. As únicas que responderam afirmativamente foram três freiras que ergueram a mão na primeira fileira, ele conta.

    Hoje, a norma de expressão sexual consta dos regulamentos publicados no site da casa de repouso, e é revisada junto aos membros da equipe de funcionários. Reingold disse que o objetivo da regra era não só encorajar a intimidade entre aqueles que assim desejarem mas proteger os demais moradores de assédio indesejado e estabelecer diretrizes para os funcionários. Por exemplo, a norma estipula que até mesmo moradores que sofram do Mal de Alzheimer podem se envolver em um relacionamento sexual consensual, sob determinadas circunstâncias.

    Ainda que a casa de repouso jamais tenha sido processada por conta de sua política, disse Reingold, algumas famílias argumentaram contra esse tipo de relacionamento, especialmente caso um dos envolvidos ainda esteja casado com alguém que não vive na casa de repouso.

    Relacionamentos também significam mais drama para os funcionários, que têm de tentar acompanhar quem está com quem e quem já não está. A sala de jantar pode ser um campo minado. Às vezes, um morador de uma casa fica com ciúmes quando o/a parceiro/a dá atenção a uma terceira pessoa. Outros casais são afetuosos demais em público, levando a apelos para que "façam isso em seu quarto".

    Ainda assim, a enfermeira Eileen Dunnion, cujo andar da casa de repouso abriga três casais, disse que encoraja seus pacientes a arriscar um relacionamento, lembrando-os de que "você pode estar mais velho, mas não está morto".Alguns anos atrás, ela servia de vigia para um homem que tinha duas namoradas. Ele jamais foi apanhado. "Fiz bem o meu trabalho", disse Dunnion. "Uma enfermeira tem muitas funções".

    Kelley Dixon, 74, disse que o sexo se tornou mais importante para ele agora que já não acontece com a regularidade que preferiria. "Não é mais só uma rapidinha e nos vemos mais tarde", ele disse. "Hoje o importante é desfrutar da companhia da pessoa com a qual você está fazendo sexo. Não mantenho listas, agora. Não fico anotando quem eu já conquistei".

    Nos últimos 12 meses, uma dúzia de pessoas se inscreveram no G-Date. Metade delas conseguiram encontrar parceiros, com a ajuda de assistentes sociais, e foram a encontros em um café que é parte da casa de repouso. Nenhum desses casais encontrou o amor, mas alguns se tornaram amigos. "Não vamos desistir", disse Charlote Dell, a diretora de serviços sociais da casa. "Ainda vamos ver um casamento sair disso".

    Francine Aboyoun, 67, está esperando que o G-Date encontre um par para ela. Disse que continua a ter esperança de encontrar alguém. Quando vivia em outra casa de repouso, ela conheceu um homem que a visitava em seu quarto à noite. Ainda que não fizessem sexo, se beijavam e se deitavam juntos na cama. "Uau, eu me sentia jovem de novo", ela disse.

    James Estrin/The New York Times
    Francine Aboyoun, 67, durante aula de pintura
    Francine Aboyoun, 67, durante aula de pintura

    Davison, que é divorciada, disse que a última coisa que esperava era encontrar o amor de sua vida em uma casa de repouso. Ela conheceu Leonard Moche no elevador. Ele mostrou ser inteligente, e a fez rir. Ela se mudou para o andar dele, para que ficassem mais próximos.

    Davison diz que estavam planejando se casar quando ele adoeceu subitamente; Moche morreu este ano, e ela ainda está de luto.

    "Penso nele como meu segundo marido", ela disse. "Foi ótimo e inesperado, e maravilhoso enquanto durou".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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