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    Aborto tem impacto pequeno na saúde mental das mulheres

    PAM BELLUCK
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    16/12/2016 09h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    Manifestantes realizam um protesto pelos direitos das mulheres
    Manifestantes realizam um protesto pelos direitos das mulheres

    É uma ideia que há muito tempo vem sendo usada como um argumento contra o aborto –que a interrupção da gravidez causa traumas emocionais e psicológicos às mulheres.

    Alguns Estados requerem que as mulheres em busca de aborto sejam alertadas de que elas poderão desenvolver problemas de saúde mental por conta do procedimento.

    Agora, essa crença perde força com a divulgação de um novo estudo, considerado o mais rigoroso a analisar o tema nos EUA.

    Pesquisadores acompanharam, por cinco anos, cerca de mil mulheres que buscaram o aborto. Eles descobriram que, em comparação com quem não fez o procedimento, as que realizaram não apresentaram maiores taxas de depressão, ansiedade, baixa auto-estima ou insatisfação com a vida.

    A descoberta acontece em um momento em que o aborto volta à pauta nos EUA, com as promessas do presidente eleito Donald Trump de nomear para a Suprema Corte uma pessoa contrária a realização do procedimento.

    Os efeitos do aborto na saúde física e mental das mulheres têm sido um ponto central de discussão nos últimos anos, o que tende a continuar. Muitos Estados, inclusive, utilizaram-se do tópico para criar regulações e restrições à prática.

    O estudo foi publicado na revista especializada "Jama Psychiatry", nesta quarta (14).

    A pesquisa descobriu que sintomas psicológicos só aumentaram nas mulheres impedidas de realizar o aborto –por já se encontrarem em estágios mais avançados da gravidez.

    Mesmo nesses casos a angústia durou pouco, conforme as mulheres foram a outro local para realizar o aborto ou acabaram tendo o bebê. Após seis meses da primeira negativa na clínica em que o procedimento seria realizado, a saúde mental delas era semelhante à das mulheres que realizaram o aborto sem impedimentos.

    "O que eu acho mais impressionante é que, entre seis meses e um ano, todas se encontram aproximadamente na mesma situação", diz Katie Watson, bioeticista, não envolvida no estudo, da escola de medicina da Universidade Northwestern.

    "Esse estudo reflete sobre resiliência, e pessoas fazendo o melhor que podem e seguindo em frente", diz. "De certa forma, a maior descoberta está relacionada à normalidade do aborto."

    A pesquisa se chama "Turnaway Study" ("estudo da recusa", em tradução livre; refere-se às mulheres que têm o aborto negado) e foi conduzido pelo programa Advancing New Standards in Reproductive Health ("promovendo novos padrões para saúde reprodutiva", em tradução livre), da Universidade da Califórnia, em São Francisco.

    O estudo lutou para evitar armadilhas metodológicas encontradas em outras pesquisas.

    Em pesquisas anteriores, houve comparação entre mulheres que abortaram e as que tiveram bebês, grupos tão diferentes que as comparações entre eles não trazem aprendizado significativo, segundo especialistas.

    Outros estudos também falharam em identificar quais mulheres anteriormente possuíam problemas psicológicos, grupo com maior risco de, após um aborto, apresentar questões relacionadas à saúde mental.

    A nova pesquisa levou em conta o histórico mental e se focou nas mulheres que estavam próximas ou tinham passado o limite de tempo de gravidez permitido para realização do aborto.

    Os limites de tempo, nos EUA, variam de acordo com os Estados e com as clínicas.

    Estavam presentes no estudo 30 clínicas de 21 Estados. Os limites temporais para realização de um aborto variaram entre dez e 25 semanas.

    Roger Rochat, ex-diretor de saúde reprodutiva dos CDCs (Centros de Controle de Doenças, dos EUA) e professor de saúde global e epidemiologia na Universidade Emory, diz que o estudo "proporciona a melhor evidência científica" na questão. Ele afirma também que a pesquisa pode servir de base para processos que contestam leis estaduais relacionadas ao tema.

    "É um estudo incrivelmente poderoso", diz o professor. "Os Estados continuarão a passar leis para restringir o acesso ao aborto e o farão, em parte, com base nos efeitos do procedimento na saúde mental das mulheres. Contudo, as evidências presentes nesse estudo mostram que isso simplesmente não é verdade."

    Randall K. O'Bannon, diretor de educação e pesquisa na National Right to Life (direito nacional pela vida, em tradução livre), diz que "não é uma surpresa a sensação imediata de ansiedade e frustração" das mulheres que são impedidas de abortar. Isso ocorre porque "seus planos estão sendo destruídos".

    Contudo, ele destaca que o estudo mostrou que esses sentimentos se dissipam rapidamente, o que sugeriria que negar o direito ao aborto "não é inteiramente negativo".

    O'Bannan tem inúmeras críticas à pesquisa. "Eu suponho que, para a maior parte das pessoas, cinco anos é um tempo suficientemente longo", diz. Contudo, segundo ele, algumas mulheres podem desenvolver problemas muito tempo após o processo abortivo. "Esse estudo não leva essas mulheres em consideração. Muitas delas desenvolvem sérios traumas, todo tipo de problema. Elas têm que lidar com ansiedade, depressão, pensamentos suicidas."

    As mulheres que procuram a possibilidade do aborto, em 22 Estados americanos, passam por aconselhamento relativo aos possíveis efeitos emocionais e psicológicos Em nove deles, quase todo o foco é direcionado a potenciais efeitos negativos, de acordo com o Guttmacher Institute –organização de pesquisa que apoio o direito ao aborto.

    Mesmo com o aborto nos EUA, de modo geral, sendo realizado no primeiro trimestre de gravidez, o estudo também analisou mulheres que buscam o procedimento quando a gravidez já está mais avançada.

    Em 452 casos, a gravidez foi interrompida mesmo estando duas semanas além do tempo limite estipulado pela clínica. Em outros 231 casos, foi negado às mulheres o direito do aborto pois a gravidez se encontrava três semanas acima do limite determinado.

    O estudo também analisou 273 mulheres que abortaram no primeiro trimestre de gravidez.

    Dos 231 abortos recusados, 161 casos resultaram no nascimento do bebê. Nos outros 70, o aborto foi realizado em outro local, o que normalmente ocasionou longas viagens e mais gastos.

    O estudo foi iniciado uma semana após as mulheres procurarem a opção do aborto. Os pesquisadores faziam entrevistas para verificar o bem-estar psicológico das mulheres. A entrevista era realizada novamente a cada seis meses, por cinco anos.

    M. Antonia Biggs, psicossocióloga e uma das autoras do estudo, diz que algumas pessoas "poderiam esperar que mulheres que fizessem um aborto teriam maiores taxas de depressão e ansiedade, mas não foi isso que vimos".

    Ao invés disso, afirma, a pesquisa mostrou que "mulheres que têm o direito ao aborto negado possuem maiores níveis de ansiedade, baixo auto-estima e menor satisfação com a vida. Contudo, entre seis meses e um anos depois, elas se encontram em estado semelhante às mulheres que realizaram o aborto."

    Outra descoberta intrigante foi o fato de mulheres que realizaram o aborto no primeiro trimestre de gravidez não eram mais ou menos afetadas do que as que interrompiam a gestação mais tarde. "As pessoas pensavam que abortos tardios seriam mais difíceis para a saúde mental. Nossos resultados não mostraram isso", diz Biggs.

    Biggs afirma que o estudo demonstra que "expandir o acesso ao aborto é um meio de proteção à saúde mental das mulheres". Contudo, ela reconhece que alguns dos resultados "podem não ser tão favoráveis ao direito de escolha de abortar ou não". Entre esses, o fato de não haver variação de taxas de depressão entre os grupos e a questão de mulheres às quais o aborto foi negado não demonstraram "consequências mentais negativas a longo prazo".

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