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    Ao estudar emojis, psicólogos querem desvendar comportamento humano

    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    24/01/2017 02h02

    John Earl/Flickr

    "E aí, curtiu o karaokê ontem à noite?", pergunta Jorge para Sarah, pelo WhatsApp, aplicativo para troca instantânea de mensagens. "Adorei. Não sabia que você cantava tão bem :P", ela responde.

    O emoticon ":P", referência a uma língua de fora, dá uma pista importante do que Sarah realmente gostaria de dizer: sua vontade era de furar os próprios tímpanos ao ouvir o desafinado amigo.

    A explicitação da ironia é uma das vantagens trazidas pelo uso de emoticons (expressões e desenhos baseados em caracteres convencionais, como ":-)", por exemplo) e emojis (como os desenhos que ilustram esta página, popularizados em aplicativos de trocas de mensagem).

    Os cientistas estão prestando cada vez mais atenção a essa forma de comunicação, especialmente psicólogos, em busca de entender um pouco melhor o comportamento humano.

    Para Linda Kaye, psicóloga da Universidade Edge Hill, no Reino Unido, explorar a miríade de dados de conversas virtuais carregadas de rostinhos e desenhinhos é uma chance de decifrar idiossincrasias a partir das situações em que cada um os utiliza.

    "Observando os traços de personalidade, parece haver uma relação positiva entre o uso de emojis e a capacidade de se relacionar com as outras pessoas", diz.

    Ela e outras duas colegas escreveram um artigo sobre o assunto que foi publicado na revista especializada "Trends in Cognitive Sciences" na semana passada. Outros estudos já constataram uma mistura de ativação de áreas do cérebro ligadas à linguagem e à emoção quando uma pessoa lê uma mensagem com emojis.

    De alguma maneira, esse tipo de resposta se aproximaria daquela gerada em uma interação face a face.

    Miniglossário de emoji

    No fim das contas, os emoticons e emojis podem ser muito mais do que o reforço de que algo foi satisfatório ou agradável (use um "coração" com "S2" ou "<3") ou a manifestação de segundas intenções por trás de uma conversa casual.

    Essas "palavras" como resume Luli Radfahrer, especialista em comunicação digital e professor da USP, não têm um significado fixo. Embora algumas como notas de dinheiro voando e o emoticon de espanto (:-O) sejam bem claros em resumir até frases inteiras, outros vão ganhando significados diferentes segundo quem os utiliza –especialmente os jovens.

    É o caso do "joinha". Para a velha guarda, o significado pode ser um singelo "OK", mas entre os mais jovens ele assumiu um significado mais rude, como um desinteressado ou rude "ah, tá", como explica Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade, do Rio de Janeiro, e colunista da Folha.

    "NOVIDADE"

    Se emojis são palavras que chegam como estrangeirismos em uma língua, é natural que os jovens sejam os primeiros a se apropriarem e transformarem seus significados, diz Radfarher. "Eles são os mais dispostos a experimentar com a língua."

    Isso não quer dizer que inaugurar uma "ciência dos emojis", como Linda e colegas defendem, com testes de imagens e análises comportamentais, tenha um bom embasamento, diz o professor, que acredita que estudos do tipo não acrescentariam muito sobre o que sabemos de linguística.

    Já Luiz Carlos Cagliari, professor aposentado e pesquisador da Unesp, lembra que a discussão não é tão diferente daquela que surgiu quando os europeus modernos tiveram contato com a China.

    "Acharam que os chineses não sabiam pensar, já que possuíam um sistema de escrita ideográfico, pictográfico, no qual primeiro vem a ideia, depois o som", diz. "Quem acha que emoticon ou emoji é novidade esquece que a escrita mais antiga era pictográfica, de objetos que eram traduzíveis em palavras. Os egípcios já tinham emojis –eles são tão velhos quanto andar para frente."

    Um paralelo possível é o caminho percorrido pelos programas de computador. Antes era necessário clicar em um comando para as funções pretendidas, como "salvar", para guardar um arquivo. Hoje, basta clicar em um ícone com um disquete –que muitos dos que nasceram neste milênio nem sabem o que originalmente significa. "No final das contas, a 'escrita chinesa' prevaleceu sobre a alfabética", brinca Cagliari.

    O interesse da academia em estudar o tema, opina, é uma boa chance para desfazer o preconceito linguístico que muitas vezes acaba viciando esse tipo de discussão. "A escola ensina a escrever de um jeito, mas esse jeito não é o único."

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