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    Volta de emagrecedores gera briga entre Anvisa e médicos

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    22/06/2017 02h00 - Atualizado às 11h30

    Rafael Hupsel/Folhapress
    Medicamento para emagrecer com sibutramina; substância foi mantida com restrições em 2011
    Medicamento para emagrecer com sibutramina; substância foi mantida com restrições em 2011

    Seis anos depois da proibição do uso de três tipos de inibidores de apetite populares no país, a aprovação de um projeto na Câmara dos Deputados que reverte essa decisão gerou uma nova guerra de forças entre Anvisa, Congresso e representantes de entidades médicas.

    Os anorexígenos amfepramona, femproporex e mazindol, "parentes" das anfetaminas, foram usados por décadas no país contra a obesidade até serem vetados em 2011 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

    Na época, a agência alegou que não havia comprovação suficiente de eficácia e que os riscos à saúde eram maiores que os possíveis benefícios.

    Agora, projeto que segue para sanção ou veto do presidente Michel Temer prevê a liberação dessas substâncias no país e também da sibutramina –outra droga contra obesidade que foi mantida na decisão de 2011, mas com restrições, como necessidade de prescrição médica especial.

    A liberação, porém, divide especialistas.

    Para médicos que atuam na área de obesidade, o retorno dos inibidores de apetite pode aumentar as possibilidades de tratamento.

    Hoje, o país tem quatro opções de medicamentos para controle da obesidade: sibutramina, orlistat (Xenical), liraglutida (Saxenda) e cloridrato de lorcasserina (Belviq).

    Segundo Durval Ribas Filho, presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), o problema é que nem todos os pacientes respondem a eles ou têm como custeá-los –o Saxenda custa em torno de R$ 900 ao mês.

    COMO AGEM OS INIBIDORES DE APETITE

    "Por serem mais baratos, eram opção para a população de baixa renda, na qual a obesidade predomina", diz. Segundo ele, os três anorexígenos diferem da sibutramina. "A sibutramina [R$ 30 a caixa] tem um efeito sacietógeno, enquanto os anorexígenos agem no hipotálamo e têm como função diminuir a fome. Não interferem na saciedade."

    Para a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente da Abeso (Associação Brasileira de Estudos da Obesidade), há uma "estigmatização" do tratamento da obesidade, e nem todos os pacientes conseguem emagrecer com exercícios físicos e dieta, por exemplo.

    "Todo mundo fala: é só fechar a boca. Não é. Se fosse só isso, não teríamos essa epidemia mundial de obesidade."

    Já para Francisco Paumgarten, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a liberação por meio do Congresso é "lamentável" e fere a autonomia da Anvisa, responsável por regular o mercado de medicamentos.

    Segundo ele, que estuda o tema, a eficácia desses medicamentos é "questionável". "Muitos pacientes não respondem a esses medicamentos. E mesmo os que perdem peso, quando suspendem o uso, ganham de novo."

    Ele cita um estudo com a sibutramina feito com 10 mil pacientes que detectou um aumento do risco de infarto entre aqueles que utilizavam a substância."Os riscos são maiores do que os benefícios", diz ele, que também cita como efeitos colaterais o risco de dependência, aumento da hipertensão arterial e problemas psiquiátricos.

    Já para Melo, da Abeso, o fato de inibidores de apetite como o anfepramona, femproporex e mazindol terem ficado disponíveis no mercado por décadas mostra que eles são seguros.

    "Os problemas foram a má prática e abuso das prescrições, com doses elevadas", diz ela, para quem casos como esses podem ser evitados com maior fiscalização da Anvisa e dos conselhos de medicina.

    A Anvisa afirma que vai recomendar que o projeto seja vetado. "A decisão do Congresso permite que as substâncias em questão sejam manipuladas mesmo sem a devida comprovação de segurança e eficácia, caracterizando-se como risco para a saúde da população", informa.

    CENÁRIO INCERTO

    Se o projeto for sancionado pelo presidente Michel Temer, o prazo para retorno desses medicamentos é incerto.

    Representantes da indústria dizem que é pouco provável que haja interesse em fabricar os medicamentos, já que ainda são necessários estudos clínicos para comprovar a segurança e eficácia, que têm alto custo –sem a certeza de resultados superiores a outros medicamentos.

    "Vai facilitar que sejam manipulados nas farmácias, sem o mesmo rigor da indústria", diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, que reúne as maiores farmacêuticas do país.

    Um ano antes da proibição, as farmácias de manipulação já respondiam por 60% das 4,4 milhões de prescrições dessas substâncias e da sibutramina.

    Questionada, a Anfarmag (Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais) informa que ainda não é possível saber "quais os desdobramentos práticos" ao setor caso o projeto seja sancionado. "Qualquer que seja a decisão, o setor continuará a cumprir de forma estrita as exigências legais, sempre com foco na promoção da saúde", diz, em nota.

    Entenda o caso

    PROIBIÇÃO
    A venda, a produção e o uso dos medicamentos do grupo das anfetaminas e derivados (femproporex, mazindol e anfepramona) haviam sido proibidos em 2011

    O QUE SÃO OS DERIVADOS DE ANFETAMINA
    São substâncias que agem sobre o cérebro, aumentando o ritmo do coração e a pressão do sangue e diminuindo o apetite

    EM OUTROS PAÍSES
    > O mazindol foi retirado dos EUA e da Europa em 1999
    > A anfepramona é vendida nos EUA, mas não é aprovada na Europa
    > O femproporex nunca foi aprovado nos EUA e foi proibido na Europa em 1999 (é conhecido, inclusive, como "Brazilian diet pill")

    RISCOS
    Segundo a Anvisa, os remédios causam redução modesta de peso corporal, que não é mantida com a interrupção do tratamento. A ausência de evidências de eficácia e os severos efeitos adversos no cérebro e sistema cardiovascular tornam insustentável a manutenção desses medicamentos no mercado

    Cronologia

    DÉCADAS DE 1950 A 1970
    A anfepramona, o femproporex e o mazindol começam a ser usados para tratar obesidade

    1997
    A sibutramina é aprovada nos EUA, pela FDA

    NOV.2009
    Dados de estudo, com 10 mil pacientes, mostram que a droga aumenta o risco cardiovascular

    JAN.2010
    A agência europeia recomenda a suspensão da droga

    MAR.2010
    A Anvisa passa a exigir que a droga seja vendida só com receita de controle especial

    OUT.2011
    A Anvisa proíbe os emagrecedores, mas mantém a sibutramina de forma temporária, com regras mais rígidas

    MAI.2013
    Depois de avaliar a venda e o controle da sibutramina, Anvisa mantém o medicamento no mercado

    ABR.2014
    Câmara aprova projeto que libera venda de emagrecedores

    JUL.2014
    Comissão do Senado também aprova projeto liberando comércio dos medicamentos

    ABR.2016
    Aprovada em plenário do Senado e devolvido à Câmara. Os senadores adicionaram que?os medicamentos devem ser controlados (tarja preta)

    20.JUN.2017
    Aprovada pela Câmara e remetida à ao presidente para sanção ou veto

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