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    Brasil acima do peso

    Contrários à onda fitness, movimentos pregam o fim do 'corpo ideal'

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    22/08/2017 02h02

    Karime Xavier/Folhapress
    A embaixadora do Body Image Movement (Movimento da Imagem Corporal) no Brasil, Mariana Cyrne
    A embaixadora do Body Image Movement (Movimento da Imagem Corporal) no Brasil, Mariana Cyrne

    Como ter um corpo ideal para ir à praia? 1) Tenha um corpo. 2) Vá para a praia.

    A frase, que ficou conhecida nas redes sociais ao satirizar antigos "conselhos" disseminados em revistas femininas, é um dos exemplos de um debate que tem ganhado força em páginas e grupos na internet –e sobretudo em frente ao espelho.

    Na contramão da onda fitness, ganham força movimentos contra a imposição de padrões estéticos e de peso e em prol da aceitação do próprio corpo.

    Brasil acima do peso

    Em outros países, a proposta é chamada de "body positive" (corpo positivo, positividade corporal) ou "body neutrality" (neutralidade corporal).

    No Brasil, no entanto, a discussão ainda é incipiente, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

    O tema é pano de fundo do documentário "Embrace", lançado neste ano na plataforma Netflix, que narra a trajetória da ativista australiana Taryn Brumfitt, criadora do BIM (Movimento da Imagem Corporal, na sigla em inglês), e de outras mulheres em busca de uma relação de paz com a imagem no espelho.

    "Pesquisas mostram que 92% das mulheres estão insatisfeitas com o corpo. Nós que estamos erradas ou é o mundo que ensinou assim?", questiona Mariana Cyrne, 30, embaixadora do BIM no Brasil.

    No ano passado, ela e quatro amigas criaram o blog Garotas FDP (Fora do Padrão) para falar de moda e visibilidade "plus size". O começo, porém, foi desafiador.

    O maior receio era tirar fotos que mostrassem o corpo todo ao mostrar as roupas.

    "Descobrimos que podíamos tirar foto de corpo inteiro, e que gostávamos do que víamos", diz ela, para quem é preciso incentivar as mulheres a olhar para si mesmas.

    "Estamos tão acostumados a ver na mídia um corpo sarado ou pessoas supermagras que não conseguimos olhar direito no espelho. Precisamos olhar mais, até para nos acostumarmos a ver um corpo diferente do que vemos o tempo todo", diz.

    Essa mudança no olhar tem sido o mote da jornalista Mirian Bottan, 30. Ela lutou 15 anos contra a bulimia desenvolveu ortorexia (obsessão pela alimentação saudável). "Minha vida girava em torno de construir aquele corpo perfeito. Percebi que era a mesma obsessão, só havia mudado a ferramenta de controlem a alimentação."

    Agora, em vez da tradicional foto de "antes e depois" com quilos a mais e a menos, faz desde janeiro o contrário: do corpo antes tido como "ideal" (mas desnutrido), passou ao "real" -valendo até o que chama "tremidão nervoso [da barriga] contra baixo astral".

    Hoje, soma mais de 200 mil seguidores. "Essa procura me mostrou que é uma discussão que estava fazendo falta."

    DANÇA

    Desde que passou a integrar o time da cantora Anitta, a bailarina Thaís Carla, 25, tem sido apontada como exemplo de representatividade de mulheres gordas –que em geral eram deixadas de fora dos palcos.

    "É bom para as pessoas enxergarem o outro lado. As pessoas confiam muito na estética, acham que tem que ser magrinha e 'modelete' para fazer as coisas", afirma.

    "Aceito meu corpo e gosto de mim. Não estou aqui para vender gordura ou meu corpo. Estou para vender o meu conceito. Você vai transparecer o que as pessoas querem ou o que você quer?".

    Para Joana Novaes, coordenadora do núcleo de doenças da beleza da PUC-Rio e autora do livro "Com que corpo eu vou?", movimentos como o "body positive" surgem como resistência diante de uma sociedade lipofóbica (com aversão à gordura).

    "É cada vez mais difícil achar alguém plenamente satisfeito com o próprio corpo", diz a psicanalista, para quem a sociedade ainda impõe o corpo como instrumento de segregação de classe.

    "Em momentos históricos onde a comida não era uma facilidade, o corpo gordo era o ideal", explica.

    Ao mesmo tempo em que cresce a discussão, quem ousa quebrar os padrões também ouve críticas. A principal é a de "apologia da obesidade". Para quem lida com o tema, porém, não se trata de conformismo –mas, sim, de ter mais foco em saúde do que na estética (em alguns casos, um escudo próprio contra o preconceito).

    CUIDADOS

    "Não é comer x-bacon como se não houvesse amanhã. Não é um movimento de negligência ou autoabandono. É buscar a saúde de uma maneira que seja compatível com a sua vida, e isso envolve alimentação equilibrada e atividades físicas", diz a nutricionista comportamental Paola Altheia, autora do site Não Sou Exposição, no qual questiona dietas da moda e aborda os riscos da busca por padrões.

    Para a endocrinologista Cintia Cercato, movimentos de aceitação do corpo podem trazer benefícios, desde que vinculados a essa ideia de cuidados e com alerta para os riscos da obesidade.

    "Não falamos em tratar obesidade para ficar magro. Reduzir 10% do peso, em geral, já traz impacto positivo na saúde", afirma. "Quando falamos que é preciso que as pessoas se cuidem, de forma alguma queremos acusar. Entendemos que a obesidade é uma doença complexa e a pessoa não é obesa porque quer."

    Segundo Altheia, a pressão excessiva por emagrecer pode levar a transtornos.

    "Lido com pessoas que adoecem por tentar chegar a um padrão. Estamos tendo um 'boom' de doenças alimentares", afirma. "Modificações externas não resolvem problemas internos. Não é mudando o peso que vai se aceitar."

    Também não é de uma hora para outra que a aceitação ocorre. Para muitas, nem é preciso, de fato, amar seu corpo: apenas não odiá-lo já é um bom caminho.

    Na adolescência, numa tentativa de emagrecer, Vanessa Campos, 38, perdeu peso tão rapidamente que chegou a ser diagnosticada com princípio de anorexia.

    Passou por dietas e pelo efeito rebote da maioria delas. Nos últimos anos, mudou sua relação com a comida. Hoje, reveza o trabalho e atividades como ioga, caminhada e pole dance com o BlogueiraFail, onde escreve sobre moda "plus size" e amor-próprio.

    "Fui entendendo que a mudança não era corporal, mas de comportamento", afirma ela, para quem o processo visa primeiro a saúde mental, e depois a do corpo. "Hoje, vejo meu corpo como o mapa das minhas escolhas."

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