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    Na mira de procuradores, Pan do Rio deu R$ 2,7 mi a parceiros de Nuzman

    PAULO ROBERTO CONDE
    DE SÃO PAULO

    29/10/2017 02h00

    Fabian Bimmer/AP
    Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (Brasil), 2016: Da esquerda para a direita: Leonardo Gryner, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), Carlos Osório e Adriana Behar, concedem entrevista coletiva depois que o COI (Comitê Olímpico Internacional) elegeu o Rio de Janeiro como a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Por 66 a 32, o Rio bateu Madri no último turno de votação. Chicago e Tóquio já haviam sido eliminadas em rodadas de votação anteriores
    Leonardo Gryner, Carlos Arthur Nuzman e Carlos Roberto Osório em entrevista coletiva após eleição que deu ao Rio o direito de sediar a Olimpíada

    Em 5 de outubro, dia em que a Polícia Federal efetuou a prisão de Carlos Arthur Nuzman, 75, por suspeita de participação em um esquema para compra de votos para os Jogos Olímpicos de 2016, o Ministério Público Federal anunciou que investigaria a organização do Pan de 2007.

    A exemplo da Olimpíada de 2016, o evento também foi comandado pelo cartola.

    Se as autoridades forem a fundo, verificarão que o Pan também teve negócios escusos. Um deles envolveu diretamente dois braços-direitos de Nuzman nos últimos anos.

    São eles Leonardo Gryner, 64, também preso pela Polícia Federal em outubro -e já solto-, que foi diretor de operações do Comitê Rio-2016.

    E Carlos Roberto Osório, 52, atualmente deputado estadual no Rio pelo PSDB.

    Gryner e Osório chegaram ao COB (Comitê Olímpico do Brasil) em meados dos anos 1990, a convite de Nuzman, que havia assumido a presidência da entidade em 1995.

    Cria das Organizações Globo, Gryner recebeu a tarefa de coordenar o departamento de comunicação e marketing.

    A Osório delegou-se a missão de estabelecer relações internacionais do comitê. Coube-lhe, sobretudo, traçar a estratégia da campanha do Rio como sede do Pan-2007.

    Tão logo iniciaram o convívio, Gryner e Osório começaram a abrir empresas voltadas a serviços de publicidade e produção de eventos.

    Duas delas foram a Esporte 21 Comunicação e Marketing Ltda. e a Sportsmedia Promoções e Propaganda Ltda.

    A Esporte 21 foi estabelecida em julho de 2001, de acordo com registro da Junta Comercial do Estado do Rio, em meio à corrida da capital fluminense para sediar o Pan.

    Ambos tinham cotas idênticas, de 40%, segundo o contrato social celebrado -cada um deles entrou com valor de R$ 8.000. Os outros 20%, ou R$ 4.000, couberam ao irmão de Osório, José Eduardo.

    Mais de 400 dias depois da abertura da Esporte 21, em agosto de 2002, o Rio bateu a cidade texana de San Antonio por 30 votos a 21 e se tornou sede do Pan-2007.

    Nuzman ficou à frente do comitê organizador (CO-RIO) e encarregou Osório de ser o secretário-geral do evento.

    Gryner manteve suas atribuições no comitê olímpico.

    Em dezembro de 2003, com o CO-RIO já firmado e Osório empossado na secretaria-geral, a Esporte 21 foi contratada. Por Osório e Nuzman.

    A finalidade era a "prestação de serviços específicos de estudo e elaboração de projetos, gerência de produção na área esportiva, assessoria e consultoria" para o Pan.

    Neste ínterim, em fevereiro de 2003, Gryner havia deixado a sociedade.

    A saída do executivo não amenizou críticas feitas pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.

    Em relatório confeccionado pela 4ª Inspetoria Geral de Controle Externo do tribunal, os auditores apontam o grave conflito de interesse entre a posição de Osório e a contratação de sua empresa pelo próprio CO-RIO.

    "(...) Sob o ponto de vista jurídico, o Sr. Carlos Osório estaria prestando serviços, através da pessoa jurídica, para a entidade na qual ocupa cargo relevante de Secretário Geral (...) além de ser membro do Conselho Executivo. Sendo assim, é oportuno que se esclareça tal fato."

    KNOW-HOW

    A apuração fez parte de inspeção em 2005. Após as justificativas do CO-RIO, o processo acabou arquivado em sessão plenária realizada em maio de 2008. Não foi dada multa aos organizadores.

    Em carta assinada por Nuzman em março de 2006, o CO-RIO alegou que a Esporte 21 foi contratada "em razão da especialização e know how apresentados (...) com a experiência de profissionais gabaritados e familiarizados com o mundo e a linguagem do esporte visto que seus representantes legais detêm o expertise necessário para prestar (...) os serviços necessários reunindo qualidades tais que os tornam únicos".

    A Esporte 21, como assinalado acima, foi aberta apenas um ano antes da vitória do Rio para sede do evento.

    Nuzman disse que Osório só desempenhava função "na qualidade de representante da empresa contratada, não havendo duplicidade na prestação dos serviços".

    Pelo contrato assinado entre o comitê e a Esporte 21, Osório pagaria e receberia um total à época de R$ 1,25 milhão (em valores corrigidos equivale a R$ 2,75 milhões).

    O pagamento acertado entre o CO-RIO de Osório e a Esporte 21 de Osório era de que fossem quitadas 50 parcelas mensais no valor de R$ 25 mil cada, a partir de 2004 -elas seriam corrigidas pelo IPCA.

    Ainda seriam pagas à Esporte 21 quatro bonificações anuais, também corrigidas.

    O Pan do Rio teve um custo público de R$ 3,7 bilhões, o que hoje corresponderia a R$ 6,7 bilhões em valores corrigidos pela inflação.

    O orçamento da candidatura encaminhado em agosto de 2002 previa gasto de R$ 562 mil (R$ 1,4 bilhão, também em valores corrigidos).

    A Esporte 21 foi encerrada no final de 2014, ainda tendo Osório em seus quadros.

    RIO-2016

    Além da campanha e realização do Pan, Nuzman, Gryner e Osório conduziram a campanha do Rio para sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

    Osório foi um dos líderes na trajetória e chegou a discursar para membros do COI (Comitê Olímpico Internacional) quando da eleição definitiva, em Copenhague, no mês de outubro de 2009.

    Os três viajaram pelo mundo para promover a empreitada. Gryner esteve, entre muitos outros lugares, na Túnísia e partes da África.

    Osório passou por Cuba e outros locais da América Central, sempre à cata de votos.

    Logo após a campanha, cujo resultado é hoje investigado por autoridades brasileiras e francesas, Osório se afastou de Nuzman e Gryner e perseguiu carreira política.

    Foi secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos e, posteriormente, de Transportes durante o mandato de Eduardo Paes.

    OUTRO LADO

    Procurado pela Folha por meio de sua assessoria de imprensa, Carlos Roberto Osório não respondeu aos questionamentos até a conclusão desta reportagem.

    Foram enviadas perguntas no dia 18, quarta-feira. Além da contratação da Esporte 21, a reportagem também indagou sobre a investigada compra de votos na campanha do Rio de Janeiro para receber os Jogos Olímpicos de 2016.

    Osório era um dos líderes do comitê de candidatura da Rio-2016 e fez viagens internacionais para promovê-lo.

    A Folha também enviou, no dia 18, perguntas aos advogados de Leonardo Gryner, mas não obteve resposta. Desde que foi preso pela Polícia Federal na Operação Unfair Play, a defesa dele não tem se manifestado.

    CRONOLOGIA

    1995
    Carlos Arthur Nuzman é eleito presidente do COB e pouco depois traz Leonardo Gryner e Carlos Roberto Osório para integrar o comitê

    1995
    Ex-diretor de esportes na Globo, Gryner assume como diretor de comunicação e marketing do COB

    1996
    Nuzman contrata Osório para encabeçar a área de relações internacionais do COB, com enfoque na candidatura do Rio para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007

    2001
    Osório e Gryner abrem a Esporte 21, empresa para prestar serviços de marketing. No mesmo ano, o Rio apresenta oficialmente sua candidatura para o Pan-2007

    2002
    Em agosto, Rio derrota San Antonio por 30 a 21 e conquista o direito de sediar o Pan de 2007. É a segunda vez que o evento vem para o Brasil, depois de São Paulo-1963

    2003
    O comitê organizador do Pan, já constituído, contrata a Esporte 21 de Osório. Meses antes, Gryner deixa a empresa

    2005
    Em auditoria, Tribunal de Contas do Rio cobra explicações sobre a contratação da empresa, na época por valor de R$ 1,25 milhão

    2006
    Em carta assinada por Carlos Nuzman, comitê organizador do Pan defende contratação milionária perante o TCM

    2007
    Rio realiza o Pan mais caro da história até então, com um gasto público da ordem de R$ 3,7 bilhões à época. Atualmente, valor corrigido chega a R$ 6,7 bilhões

    2008
    Tribunal de Contas arquiva o processo em relação à Esporte 21 em sessão plenária no dia 14 de maio e não impõe qualquer multa aos organizadores do Pan

    2009
    Em outubro, Rio vence Madri e ganha direito de sediar os Jogos Olímpicos. Osório, que tem atuação destacada na campanha, deixa organização do megaevento logo depois da vitória -Nuzman assume como presidente do Comitê Rio-2016 e Leonardo Gryner, como diretor

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