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Galinha d'angola en cocotte lutte, feita numa panela e vedada com massa no Dalva e Dito |
Escandalosa e insolente. Irrequieta, turbulenta, petulante. Adjetivos desabonadores não faltam para definir o temperamento de uma ave de gênio forte que, em contrapartida, tem uma carne muito apreciada por seu sabor melhor e mais marcante que o de outras da mesma classe, a começar pelo frango.
"Ela é a rainha das galinhas, é superelegante, tem personalidade fortíssima. Com frango você faz o que quiser. Com galinha-d'angola não tem acordo, é uma briga. E ela voa", diz Luiz Tavares Monteiro, 57, proprietário da granja Santa Rita, em Miracatú (interior de SP).
Foram os 22 anos de convivência com a espécie que fizeram Monteiro compreender o "caráter" da ave. Antes de abatê-las para vender a restaurantes e mercados, criava galinha-d'angola para participar de exposições de aves ornamentais.
"Se você colocar numa escala dos animais que foram domesticados, imagino que a galinha-d'angola tenha sido uma das últimas. Tem ainda algumas características selvagens", diz Marcondes Moser, 38, sócio da Villa Germania, produtora de Indaial (SC). "E, apesar de ela ter uma carne branca e suave, você sente um gosto de caça."
O sabor marcante, segundo Moser, tem relação com o tempo de produção elevado (cerca de cem dias contra 40 do frango) e com a quantidade maior de comida -para ganhar um quilo, a galinha-d'angola precisa comer cerca de cinco de ração, contra dois do frango.
A galinha dos mil nomes
Galinha-d'angola é só um dos nomes pelo qual é conhecida. Em alguns Estados, a ave, que repete, incansável e algo rouca, a onomatopeia engraçada que dá título a esta página, é chamada de guiné; em outros, de capote. Ou ainda cocá, pintada...
"Meu pai tem muita guiné lá no quintal dele, na Paraíba. Elas nascem sem você querer. De repente, desaparecem. E, quando voltam, vêm cheias de pintinhos. E ele distribui para todo mundo", diz o chef Carlos Ribeiro, 49, do Na Cozinha, inconformado com a doação, porque em São Paulo paga, e caro, o quilo da ave -em média, R$ 25.
Talvez pelo custo, e também por certo preconceito (ainda há quem ache seu sabor muito forte ou se incomode com a coloração mais escura de sua carne), a galinha-d'angola ainda é mais popular nos interiores do Brasil, onde são criadas soltas.
Por aqui, sempre estiveram em cardápios franceses ("pintade") e italianos ("faraona"). E, de uns tempos para cá, têm aparecido também em brasileiros como o Dalva e Dito, o Brasil a Gosto (que já teve a ave em várias receitas) e o Na Cozinha.
"Comi guiné a vida inteira. Minha mãe cortava como se fosse a passarinho, em pedaços pequenos, e cozinhava com mandioca, quase como uma vaca atolada. Uma guiné atolada", brinca Ribeiro, que na infância usava as penas para fazer peteca. "Acho a carne bem mais gostosa que frango e pato. Estou testando a aceitação no menu do dia. Faço um guisado com polenta mole. As comidas "rudes" são as que saem mais."
No restaurante de Alain Poletto e Alex Atala, a ave é preparada "en cocotte lutté" (numa caçarola de ferro, lacrada com massa, à maneira da selagem do barreado). É assada inteira e trinchada à mesa.
"Gosto muito do sabor, é uma carne que precisa ser divulgada aqui no Brasil. Muita gente não tem ideia do que é uma galinha-d'angola benfeita", diz Poletto, 51, chef do Dalva e Dito. "Se há uma dificuldade, é o fato de ser uma carne muito magra, mais que a do frango. Assada no forno, da maneira convencional, resseca rápido demais."
A solução foi cozinhar a galinha-d'angola na panela vedada para conservar toda a umidade ali dentro --o recheio de legumes e maçã também ajuda a mantê-la mais tenra.
Mas a dinâmica do restaurante fez com que o método tradicional fosse combinado com a técnica da cocção a vácuo. "O cliente não pode esperar uma hora e meia de forno", diz o chef. "Faço a mesma preparação, só que asso em baixa temperatura. Quando chega o pedido, ela vai para panela e fica mais meia hora no forno."
Saiba onde comprar a carne da ave
O Mercado Municipal tem ao menos dois pontos de venda, o Porco Feliz (tel. 0/xx/11/3315-0180) e a Avícola Rolim (tel. 0/xx/11/3229-6171). A galinha-d'angola pode ser encontrada ainda na Casa Santa Luzia (tel. 0/xx/11/3897-5000).
Prepara uma Galinha d'angola na caçarola
Receita do chef Alain Poletto, do Dalva e Dito
Rendimento: 4 pessoas
Ingredientes
- 1 galinha-d'angola (1,5 kg)
- 1 cebola
- 2 dentes de alho
- 1 cenoura
- 1/2 alho-poró
- 1 talo de salsão
- 1 maçã
- 1 tomate
- 1 raminho de hortelã
- 1 raminho de tomilho
- 1 folha de louro
- 1/2 taça de vinho branco
- 3 colheres (sopa) de Calvados
- 2 colheres (sopa) de gordura de pato
- Sal, pimenta-do-reino e açúcar a gosto
Modo de preparo
- Descasque e corte todos os legumes e a maçã em pedaços de 1,5 cm. Reserve. Retire os miúdos da galinha e reserve também;
- Em uma caçarola, coloque metade da gordura de pato derretida e refogue os legumes, exceto o tomate, até começarem a dourar. Junte a metade do vinho e deixe evaporar quase totalmente;
- Acrescente os pedaços de tomate, a folha de louro e o tomilho. Refogue por mais três minutos. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Retire os legumes do fogo, resfrie-os rapidamente e junte a hortelã;
- Numa frigideira, caramelize levemente os pedaços de maçã e junte aos legumes. Recheie a galinha com a metade da mistura de legumes e maçã. Feche e amarre-a bem com barbante, para que fique com as pernas juntas ao corpo (assim, o cozimento fica mais homogêneo);
- Tempere a galinha com sal e pimenta-do-reino. Aqueça novamente a caçarola e junte a outra metade da gordura de pato. Doure bem todos os lados da galinha, os pés, a moela e o pescoço da galinha. Junte o restante do vinho e deixe evaporar um pouco;
- Coloque o restante dos legumes e os miúdos ao lado da galinha. Tampe a caçarola e faça um lacre com a "massa morta" (misture 300 g de farinha de trigo, 150 ml de água e 10 g de sal fino até virar uma massa homogênea; enrole em papel filme e deixe descansar por, no mínimo, 10 minutos antes de usar);
- Asse no forno a 180ºC por uma hora. Retire do forno e sirva imediatamente. Quebre a massa na mesa e apresente a caçarola aberta.