Dario Cecchini, que amanhã e sábado vai comandar degustações de bisteca fiorentina em várias versões na churrascaria Pobre Juan, de São Paulo (e hoje à noite no Rio), é o açougueiro mais famoso do mundo –embora viva num vilarejo quase perdido na Toscana, Itália.
Yasuyoshi Chiba-26.out.2011/AFP |
Dario Cecchini em evento em São Paulo, em 2011 |
Ele pertence à oitava geração de profissionais da família dedicados ao ramo. Seu açougue, numa ruela curva na colina de Panzano in Chianti, é o epicentro de uma pequena meca gastronômica, já que além de vender seus luzidios nacos de carne in natura, é possível prová-los em várias preparações.
É que em cima do açougue funciona de dia o Dario Doc –um fast food com hambúrgueres de chorar de tão saborosos e suculentos.
À noite, no mesmo local, ele realiza a "Oficcina della Bistecca", um jantar-demonstração onde são servidos cortes preparados na grelha.
Para completar, em frente ao açougue fica o Solociccia, um restaurante mais convencional, mas também ultradescontraído, onde são servidos menus-degustação (baratíssimos, aliás) contemplando pratos com diferentes cortes bovinos (dos miúdos ao filé).
O que Cecchini veio fazer no Pobre Juan é uma versão local de sua demonstração dos cortes de bisteca fiorentina, típico da sua região. Ele fará pessoalmente os cortes nas carcaças.
Cecchini esteve uma vez no Brasil, durante o evento Mesa Tendências, em 2011, e levou a plateia ao delírio, demonstrando como seccionar uma perna de boi: uma peça que normalmente aqui se chamaria genericamente de músculo, ele transformou em uma dúzia de cortes.
Creio que ninguém seria capaz de reproduzir a aula, mas a plateia entendeu bem o recado: é preciso utilizar inteiramente o animal que foi sacrificado para nos alimentar, e fazê-lo de forma
sábia, tirando dele o melhor.
Como ele demonstrou em agosto no MAD em Copenhaguen, mesmo evento em que Alex Atala matou uma galinha. O tema era "Guts" (miúdos, mas também, coragem), e, enquanto explicava seu ofício, Cecchini pendurou um porco morto e retirou-lhe as tripas (as mesmas que comemos nas linguiças), mostrando a importância de aproveitá-lo todo.
Dario Cecchini não se cansa em repetir seu mantra de respeito aos animais. Ainda assim, não faltaram xiitas brasileiros para enviar a ele ameaças ao saberem de sua vinda para cá.
A intolerância não tem limites. Mas parece que ainda impera um pouco de razão: no primeiro dia em que foram anunciados os eventos de que ele participa no Brasil, os ingressos se esgotaram.
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Folha - O que achou da carne brasileira quando esteve aqui?
Dario Cecchini - É boa, diria até que é muito boa, uma ótima base para criar novos jovens açougueiros brasileiros.
Quais os principais requisitos para se ter uma boa carne?
Somos o elo mais delicado da cadeia alimentar. E digo que o mais importante é o respeito com os animais; que devemos garantir-lhes uma vida boa, espaço aberto, boa alimentação, uma morte compassiva, e o uso de todas suas partes, sem desperdício, que é a forma de dizer obrigado a quem nos alimenta.
A raça do gado é fundamental para a qualidade da carne?
Para mim, a raça não é importante, mas sim o que disse antes –como o animal é cuidado.
E quanto à idade do abate? O padrão atual é abater novilhos com dois ou três anos, para ter carne mais tenra.
A idade varia de dois anos para mais. Nós temos o programa "chianina de longa vida", que resulta em gado abatido com onze anos. A chianina é uma raça antiga do centro da Itália. Na fazenda Fondoti temos quarenta cabeças, criadas livres, bem cuidadas, alimentadas com pasto, feno e grãos produzidos lá. As vinhas e campos são fertilizados por elas, num ciclo harmonioso e completo, até seu abate compassivo. É a carne de onze anos que eu, açougueiro, ofereço a meus clientes numa atmosfera de cultura, história, romance e conhecimento milenar que esse nobre animal merece.
Soube que recebeu e-mails com ameaças de vegetarianos brasileiros que souberam de sua vinda ao país...
Não me preocupo com os extremistas. Eles estão em toda parte, mais ou menos violentos.