Com a proximidade do festival de bondades obrigatórias que é o fim do ano, permita-me fazer algumas sugestões sobre o que, de fato, você deveria agradecer.
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Agradeça porque, pelo menos uma vez, sua mãe não afastou seu pai com nunchakus (arma de artes marciais), mas, em vez disso, permitiu contato suficiente para facilitar sua feliz concepção. Agradeça porque, quando você vai comprar coisas pálidas que se parecem com aves, o moço do balcão aceita seu cartão de crédito de boa fé, e até o devolve chamando você pelo nome errado. Agradeça pelo funcionário compreensivo do balcão de passagens da United Airlines um dia após o Dia de Ação de Graças, que entende sua necessidade de sair da cidade hoje, neste minuto, caso contrário alguém de sua família vai usar os nunchakus.
Acima de tudo, agradeça pela oferta de oxitocina (ou ocitocina) do seu cérebro, o pequeno e famoso hormônio peptídeo que ajuda a lubrificar todas as trocas pró-sociais, os milhares de atos de bondade, bondade mais-ou-menos e o tipo de bondade não-tão-exposta-quanto-poderia-ter-sido, que tornam possível a sociedade humana.
Os cientistas há muito tempo sabem que o hormônio desempenha papéis fisiológicos essenciais durante o parto e a lactação. Estudos em animais mostram que a oxitocina também pode influenciar o comportamento, fazendo com que roedores abracem seus parceiros, por exemplo, ou limpem e confortem seus filhotes. Agora, várias novas pesquisas em humanos sugerem que a oxitocina está por trás dos dois pilares emocionais da vida civilizada: nossa capacidade de sentir empatia e de confiar no outro.
Em texto publicado neste mês no "The Proceedings of the National Academy of Sciences", cientistas descobriram que diferenças genéticas na capacidade de resposta das pessoas aos efeitos da oxitocina estavam ligadas a sua habilidade de "ler" rostos, deduzir as emoções dos outros, sofrer com as dificuldades alheias e até se identificar com personagens de um romance ou revista em quadrinhos. "Entrei nessa pesquisa com um grande ceticismo", disse Sarina M. Rodrigues, da Oregon State University, e autora do novo relatório, "mas os resultados me derrubaram".
A oxitocina também pode ser uma ferramenta capitalista. Em uma série de artigos publicados na "Nature", na "Neuron" e em outros periódicos, Ernst Fehr, diretor do Instituto de Pesquisas Empíricas de Economia, da Universidade de Zurique, e seus colegas mostraram que o hormônio tinha um efeito notável sobre a disposição das pessoas em confiar seu dinheiro a estranhos. No estudo publicado na "Nature", 58 estudantes saudáveis do sexo masculino receberam uma solução nasal de oxitocina ou placebo; 50 minutos depois, eles foram instruídos a jogar rodadas do Jogo da Confiança uns com os outros, usando unidades monetárias que poderiam ser investidas ou guardadas.
Os pesquisadores descobriram que os participantes que receberam oxitocina tiveram uma tendência significativamente maior a confiar em seus parceiros financeiros: enquanto 45% do grupo da oxitocina concordou em investir o máximo de dinheiro possível, apenas 21% do grupo-controle se mostrou não tão receptivo assim. Além disso, os pesquisadores mostraram que o aumento da oxitocina não fez com que os participantes simplesmente se tornassem mais dispostos a assumir riscos e desperdiçar dinheiro por aí. Quando os participantes souberam que estavam jogando contra um computador, e não com um ser humano, não houve diferença na estratégia de investimento entre os grupos. A confiança, ao que parece, é um assunto estritamente humano.
Mesmo assim, o hormônio não transforma a pessoa em um boboca. Na edição de 1º de novembro da "Biological Psychiatry", Simone Shamay-Tsoory, da Universidade de Haifa, e seus colegas relataram que, quando os participantes de um jogo de azar competiram com um jogador que eles consideravam arrogante, um spray nasal de oxitocina aumentou seus sentimentos de inveja quando o esnobe ganhava, e de satisfação malévola quando o oponente perdia.
No entanto, como regra, a oxitocina une as pessoas, não separa. Análogos dessa molécula são encontrados em peixes, talvez para facilitar a delicada questão da fertilização ao inibir uma tendência natural dos peixes a se afastarem uns dos outros. Quanto mais elaboradas se tornam as demandas sociais, mais papéis a oxitocina acaba assumindo, alcançando seu auge em mamíferos. Se você vai dar à luz uma ninhada de filhotes carentes, por que não deixar o mesmo sinal que ajudou a empurrar os chorões para fora dar dicas sobre como cuidar deles e alimentá-los? Se você é humano, inclinado a transformar tudo em uma questão de família, aqui está a oxitocina novamente, para animá-lo e controlá-lo remotamente.
C. Sue Carter, da Universidade de Illinois, em Chicago, pioneira no estudo da oxitocina, suspeita que a associação entre o hormônio e o nascimento de um bebê durante muito tempo fez com que os cientistas não a levassem a sério. "Mas, agora que ela está entrando no mundo da economia e das finanças, de repente virou moda", disse Carter.
Único receptor
A oxitocina age como um hormônio, viajando através da corrente sanguínea para chegar a órgãos longe de sua origem, no cérebro, como um tipo de neurotransmissor, permitindo a comunicação entre os neurônios. Ao contrário da maioria dos neurotransmissores, a oxitocina parece dar seu sinal através de apenas um receptor, uma proteína designada para reconhecer sua forma e tremer quando for abraçada; a dopamina e a serotonina, por sua vez, têm, cada uma, cinco ou mais receptores designados para cuidar delas. Ainda assim, os contornos precisos do receptor da oxitocina, que trabalha duro, variam entre indivíduos, o que causa um efeito aparentemente notável.
Em seu novo estudo, Rodrigues, Laura R. Saslow e Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, observaram como duas variantes no código genético para o receptor poderiam influenciar a capacidade de uma pessoa sentir empatia, conforme avaliações de um questionário padronizado de empatia ("Eu realmente me envolvo com os sentimentos dos personagens de um romance") e uma tarefa comportamental chamada "Lendo a mente nos olhos".
Nessa tarefa, os participantes olharam para 36 fotografias em preto-e-branco dos olhos de pessoas e foram instruídos a escolher a palavra que melhor descrevesse o estado emocional daquela pessoa. Apreensivo, desconfiado, pensativo, alegre? Em uma medição relacionada, sobre os possíveis efeitos calmantes da oxitocina, os participantes também foram avaliados quanto a sua reação ao estresse por ouvir uma série de sons bastante altos.
Em sua amostra de 192 universitários de ambos os sexos, os pesquisadores descobriram que os que traziam a chamada versão A do receptor de oxitocina (aos quais estudos anteriores tinham associado ao autismo e à falta de habilidade de ser pai/mãe), tiveram pontuação significativamente menor na tarefa de "ler os olhos" e maior no teste da tendência ao estresse, em comparação aos participantes portadores da variante G do receptor.
"Somos todos diferentes, e isso é bom", disse Rodrigues. "Se todos fossem melosos e sentimentais, o mundo seria detestável." Como a pesquisadora admitiu, brincando, ela é do tipo A.