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    Pacientes com síndrome inventam doenças para receber cuidados

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    14/03/2011 18h27

    A paciente chega à emergência psiquiátrica dizendo ter pensamentos suicidas. Seu histórico clínico mostra que, nos últimos três anos, passou por outros 20 hospitais, com queixas que iam de dores abdominais a embolia.

    Internet favorece invenções de portadores de distúrbio

    O seu problema real é síndrome de Münchhausen, transtorno mental que leva a pessoa a criar sintomas inexistentes para obter atenção.

    São desconhecidas as razões que levam o portador do transtorno a procurar incessante atendimento hospitalar, muitas vezes se submetendo a procedimentos invasivos como laparoscopias e endoscopias. Há hipóteses.

    "São pessoas carentes, que precisam de cuidados e encontram no médico a obrigação de cuidar", diz a psiquiatra Ana Gabriela Hounie, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

    "Não há um objetivo muito claro e não se sabe qual o ganho, mas a pessoa sente prazer colocando-se na condição de doente e se achando especial por ter uma equipe dedicada a ela", diz Hounie.

    "Imagine alguém que se coloca em situações de risco, fazendo diversas cirurgias. É uma forma patológica de conseguir atenção."

    Editoria de Arte / Folhapress/Editoria de Arte / Folhapress

    EM FUGA

    O psiquiatra Wagner Gattaz, presidente do Instituto de Psiquiatria do HC, foi quem tratou a paciente descrita no início deste texto.

    Mas o caso é exceção à regra, diz ele, porque a a maioria desses doentes de mentira nem chega ao psiquiatra. "Quem os recebe, quase sempre, é o clínico", diz Gattaz. "Se a pessoa é descoberta, foge antes de ser encaminhada a tratamento psiquiátrico."

    Gattaz distribuiu cópias de seu estudo com essa paciente para alertar profissionais do hospital sobre o transtorno. "Muitos desses pacientes seguem não sendo diagnosticados", afirma ele.

    Para Gattaz, o maior problema é o médico tratar esse tipo de paciente como um mero simulador, e não como o portador de um transtorno.

    "Quando detectam que a doença é falsa, muitos médicos começam a considerar o paciente como um mentiroso. Isso é ruim, porque a pessoa foge do hospital e não trata o problema", afirma.

    Diante da suspeita de doença fictícia, o médico deve atentar para o histórico de internações do paciente e outros sinais característicos, sugere Gattaz.

    É o caso do chamado "abdome em grelha", ventre marcado por cicatrizes de várias cirurgias e da demonstração de conhecimentos sobre medicina.

    "Eles fazem as queixas sem emoção. Descrevem dores abdominais como se fossem rotina. Mas quando alguém sente mesmo a dor, ela está estampada no rosto."

    POR PROCURAÇÃO

    Uma versão particular da síndrome preocupa os pediatras. É a Münchhausen "by proxy" ou "por procuração".

    Nela, um dos pais, em geral a mãe, atribui ao filho a doença fictícia e pode até chegar a provocar os sinais.

    "Ela extrapola no filho aqueles mesmos motivos psicológicos que usaria nela mesma, para chamar a atenção à sua condição de protetora", explica Gattaz.

    Essa situação pode chegar a maus-tratos, segundo Rachel Niskier Sanchez, diretora da Sociedade Brasileira de Pediatria. "É importante o médico estar atento."

    Segundo ela, o ideal é que, diante da suspeita, o médico peça detalhes do caso para detectar contradições.

    "Se o filho não é tão pequeno, a equipe médica pode pedir que a mãe saia para conversar a sós com a criança."

    BARÃO DÁ NOME À DOENÇA

    Em 1951, o médico inglês Richard Asher relatou pela primeira vez a síndrome no 'The Lancet', batizando-a com o nome de um famoso mentiroso.

    O Barão de Münchhausen (1720-1797) foi um nobre alemão que se tornou célebre por contar histórias exageradas sobre suas aventuras como militar.

    Em 1785, o alemão Rudolf Erich Raspe acrescentou ainda mais ficção aos relatos, no livro 'As Aventuras do Barão de Munchausen'.

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