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    Apego exagerado ao celular não é doença, criticam especialistas

    JULIANA VINES
    DE SÃO PAULO

    DENISE MOTA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/10/2012 05h01

    Cresce a popularidade do termo "nomofobia", mas o distúrbio não é catalogado.

    Em geral, a dependência de celular é enquadrada como transtorno do controle dos impulsos, ao lado de outras patologias, como piromania ou tricotilomania (arrancar os próprios cabelos).

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    Essa classificação como transtorno do impulso é "um pouco forçada" na visão de Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP. "Há diferenças entre vícios em jogos, compras ou tecnologia. Não há como patologizar o vício em tecnologia só por conta do acesso", diz.

    Essa pesquisadora não usa "vício", e sim "hard uso". E explica: "Não há como dizer que há vício puro em tecnologia no Brasil: ele aparece associado a outras doenças".

    Jotta considera "precipitadíssimo" tratar alguém por esse vício. "É complicado falar que o vício em tecnologia é doença, nem sei quais características seriam citadas nesse diagnóstico", diz.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Segundo ela, até hoje não surgiu, no núcleo de pesquisas, uma só pessoa viciada em celular. "Em pelo menos cem casos, o uso exagerado da tecnologia surgiu como sintoma, não como causa. A pessoa tem depressão, dificuldade no trabalho e ocupa a lacuna com tecnologia."

    No entanto, é possível que o transtorno apareça no próximo DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que deve ser publicado em maio de 2013), segundo Cristiano Nabuco, que coordena o Grupo de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP.

    "As pessoas ainda não se deram conta de que é problema de saúde pública", diz ele.

    O psicólogo prepara, com a pesquisadora americana Kimberly Young, livro no qual revisam a literatura científica que trata da dependência de celular incluindo casos que, na maioria, aparecem ligados com depressão, fobia social ou transtorno bipolar.

    "Dependente de celular sofre mais de ansiedade, frustração e irritação do que o de internet. Tem transtornos menos duradouros, mas impactantes", compara Nabuco.

    COLA SOCIAL

    Um fator-chave dessa dependência seria a sensação de conexão e proteção que o celular oferece. "Dá senso de pertencimento, funciona como cola social", diz Nabuco.

    Já o psicanalista e pesquisador Roberto Calazans, da Universidade Federal de São João Del Rei (MG), critica a classificação do apego ao celular. "Antes de sair catalogando toda e qualquer manifestação de época como sintoma, doença ou transtorno é preciso avaliar que função esses novos eventos têm na vida de um sujeito", diz.

    Ele questiona o fato de partidários da noção de transtorno mental o definirem mais como a perturbação de uma ordem sem se questionarem sobre o papel desse sintoma no funcionamento da pessoa. "Desse modo, vemos fenômenos como a timidez, o uso de celulares e o consumo de cafeína serem patologizados."

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